Estreias

O melhor Scorsese está nas ruas

10 nov 2006 às 21:50

Em 'Gangues de Nova York', Martin Scorsese deixou as coisas muito claras: os EUA são um país vil, contraditório, envergonhado de suas próprias raízes, as quais, ao longo do tempo, disfarçou de western. Talvez como um premonitório canto de cisne, aquele filme reunia todas as aspirações artísticas e reflexivas do diretor.

Agora, decorridos quatro anos, ''Os Infiltrados'' poderia ser uma continuação de ''Gangues...'', a partir da famosa cena com as Torres Gêmeas que aprisiona uma nova cidade, um novo país, tão corrupto e desonroso como aquele deixado para trás.


Novamente com irlandeses como protagonistas, Scorsese muda o cenário e localiza a ação na elegante Boston. Embora em nenhum momento se mencione o antigo esplendor social da cidade, ele não faz falta para potencializar os vícios que acometeram os protagonistas de ''Os Infiltrados'', verdadeiro compêndio de tudo aquilo que inquieta o diretor desde muitos anos: a desonestidade, os falsos heróis, o divórcio radical entre imagem externa e os verdadeiros impulsos.


Billy Costigan e Collin Sullivan não se conhecem. Jovens, não faz muito tempo que trabalham para diferentes departamentos da polícia. Desenvolvem suas atividades no mesmo ambiente e cumprem a mesma missão para chefes diferentes: enganar, infiltrar-se e obter informações.


Num mundo onde as barreiras entre Bem e Mal são cada vez mais difusas, o ambicioso Sullivan (Matt Damon) escala posições na Unidade de Investigações Especiais graças aos favores recíprocos que divide com o maior chefe mafioso da jurisdição. Enquanto isso, Costigan (Leonardo Di Caprio), sob disfarce, deverá se passar por alguém do grupo do mesmo mafioso (Jack Nicholson) a fim de ganhar sua confiança e obter provas para sua prisão.


Inspirado no longa ''Infernal Affairs'', realizado em Hong Kong em 2002, ''Os Infiltrados'' é pura vertigem. Este novo thriller de Scorsese introduz o espectador na ação por meio de um bombardeio incessante de imagens cruzadas, um zigue-zague entre Costigan e Sullivan. Apresenta o mundo e os personagens com que lidarão os protagonistas. Explora as ruas de Boston e registra os negócios da máfia e dos mafiosos até chegar ao rei da cidade, o personagem de Nicholson. Através deste caos narrativo inicial, o diretor constrói uma história complexa, que se vai armando de maneira gradual, mas envolvente, tensa e interessante do princípio ao fim.


A adaptação do argumento que tanto entusiasmou Scorsese se baseia fundamentalmente nos perigos cotidianos e nos conflitos psicológicos que envolvem os dois personagens principais, muito em função da vida dupla que levam. E apesar da complexidade interior de Sullivan e Costigan, o filme jamais decai em ritmo, intensidade e suspense, mantendo a dinâmica de um autêntico filme de gangsteres. Por isso, ação, intriga e sangue, três elementos que Scorsese domina como poucos, estão à disposição para uso (e pouco abuso) de um roteiro que o diretor visualiza com o habitual balanceamento e com talento de sobra para se esquivar de lugares comuns. Mesmo quando se impõem a muito gasta adrenalina e a paixão que o gênero necessita.

Costigan é o personagem mais rico em nuances, e Di Caprio não desperdiça a chance nesta terceira colaboração com o cineasta. Matt Damon faz sua parte com competência, e entre ambos se ergue um Jack Nicholson mais contido; mas mesmo nesta diretriz, como sempre, muito ele mesmo.


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