Nada é capaz de tocar tanto os brasileiros como o sonho de conquistar a casa própria. E como a situação econômica do País não facilita essa empreitada, qualquer pessoa é capaz de fazer tudo ou quase para ver o seu desejo se tornar realidade.
A família de Célio Rocha tinha esse sonho e quase conseguiu alcançá-lo. Economizou, pagou as prestações, investiu 17 anos para ver levantado o apartamento 808 de um condomínio classe-média no subúrbio do Rio de Janeiro. O prédio ficou pronto, mas não foi entregue a nenhum dos compradores.
Por causa das dívidas da construtora, foi abandonado e invadido pelas famílias dos mestres de obras que ergueram o edifício, e não receberam pagamento. Como fica, então, a família de Célio Rocha e outras centenas que pagaram pelos apartamentos?
Qualquer semelhança dessa história, o fio condutor de ''O Redentor'', longa de Claúdio Torres que estréia nos cinemas do País, não terá sido mera coincidência com a situação de milhares de brasileiros.
A história, porém, é apenas a base para abordar temas ainda mais complexos, como a miséria, a inveja, o caos social e a consequente loucura que alguém submetido a essa realidade possa mergulhar.
Para escrever o roteiro original, o diretor contou com a ajuda da irmã, Fernanda Torres, e da roteirista Elena Sóarez. ''Os últimos dez anos no Brasil foram extremamente tensos. Queria falar sobre isso, sobre o caos social que se tornou o País, mas sem abordar um vilão, porque este não existe. Também não existem vítimas. A vítima é a sociedade brasileira'', disse o diretor em entrevista, por telefone, a Folha de Londrina.
Nesse contexto, o diretor inseriu a reflexão religiosa, e não exatamente o catolicismo, como ponto crucial das decisões dos personagens.
Para viver Célio Rocha, um homem que não aguenta a pressão dos fatos e fatalidades da vida, e literalmente enlouquece, ele chamou Pedro Cardoso.
O repórter é amigo de infância de Otávio Sabóia (Miguel Falabella), herdeiro da construtora Sabóia, responsável por aplicar golpes em centenas de compradores.
O filme ainda conta com a ótima participação dos pais do diretor, Fernanda Montenegro e Fernando Torres. Fernanda Torres, que assina o roteiro, também participa do longa como atriz
O filme foi rodado em 2002, com orçamento de R$ 6,5 milhões. É lançado agora, com 81 cópias, depois de um processo que durou seis anos. Ou mais, se for levado em conta a origem da Conspiração Filmes, empresa da qual Cláudio Torres é sócio.
''Quando abrimos a produtora, no início da década de 90, a intenção dos sócios era que cada um pudesse fazer um filme, enquanto os outros investiam nos outros trabalhos da empresa, como clipes e publicidade'', conta Torres.
A ordem de lançamento seria respeitada à medida em que os roteiros ficassem prontos. Ness período foram lançados ''Eu, Tu, Eles''; ''O Homem do Ano'' e ''Casseta e Planeta - A Taça do Mundo é Nossa''.
''O Redentor'' é o primeiro longa de Torres, mas antes dele, o diretor acumulou a direção de mais de 250 filmes publicitários e chegou a ganhar o Prêmio de Melhor Diretor em Brasília pela direção de um episódio do filme ''Traição'' (1998, também lançado pela Conspiração).
Além de um roteiro extremamente amarrado, ''O Redentor'' presenteia o espectador com uma série de efeitos especiais raramente vistos no cinema brasileiro (porque bem feitos).
A contar pelo orçamento do longa, consolidar esses efeitos só foi possível por causa das parcerias da produtora. ''Eu não faria um filme desse tamanho novamente com o mesmo orçamento'', desabafa.
Enquanto assiste ao lançamento nacional do longa, e aguarda a reação do público, Cláudio Torres, de 41 anos, investe num roteiro inédito intitulado ''A Mulher Invisível. ''É a história de um homem que se apaixona por uma mulher que não existe'', adianta.
O roteiro, no entanto, ainda não tem previsão para sair do papel. Mas quem assistir a ''O Redentor'' certamente deve esperar com ansiedade novo trabalho do diretor. Conforme definiu Torres, o filme é um ''espetáculo cinematográfico para todos os gostos''. Vale a pena ser visto.