Na origem deste ''Os Invasores'' está a venerável novela cult ''The Body Snatchers'', de Jack Finney. A partir deste texto metafórico, o cinema realizou três versões antes desta que estréia neste mês de outubro no País, incorporando mensagens diversas, segundo as respectivas épocas. Em 1956, Don Siegel fez de longe a melhor, mais sólida e perdurável de todas quando introduziu em ''Os Invasores de Corpos'' a alegoria sobre comunismo, paranóia e macartismo. Em 1978, Philip Kauffman alertou contra o egoísmo e a frieza nas relações pessoais a partir das expansões urbanas. E, em 1993, Abel Ferrara converteu a história em eficiente fábula moderna sobre medo e conspirações militares.
Agora este ''Invasores'', único inteiramente vulnerável entre todos, não oferece perspectiva de interesse. Quer dizer, até que oferece, mas muito cedo abandona o viés mais fértil em possibilidades. O argumento não perde tempo em colocar sua premissa: a nave espacial Patriot se precipita de encontro à Terra com uma substância viscosa que penetra no corpo de quem a manipula, e durante a fase mais profunda do sono transforma a vítima em outra pessoa. ''Meu marido já não é quem era'', confessa uma paciente da psiquiatra Carol Bennell (Nicole Kidman) ao se referir ao homem que já demonstra nas atitudes o ar frio e mecânico dos zumbis - nenhuma leitura ambígua ou subtexto de terapia neste diálogo...
Como pano de fundo de cada situação proposta pelo roteiro, os telejornais falam dos riscos de uma guerra no Golfo Pérsico, da mal resolvida invasão do Iraque e de outros estados de guerra espalhados pelo planeta. Mas nos limites em que se move esta nova versão - uma típica cidade dos EUA, embora bem maior do que no filme de 50 anos atrás - a crise toma outros rumos, e em velocidade máxima. Aparece uma campanha de vacinação promovida pelo próprio governo, e que não é outra coisa senão a própria inoculação massiva do tal vírus extraterrestre.
Não se sabe de onde vem o mal, mas sim as consequências. Entre elas um mundo padrão onde aparentemente começam a desaparecer os conflitos, mas com a ameaça de que sobreviverão vozes alternativas, os ''outros'', aqueles que ficarão imunes. Entre estes o filho da psiquiatra, que busca ajuda com os doutores Driscoll (Daniel Craig) e Galeano (Jeffrey Wright). Nota-se, até certo ponto da narrativa, que ''Os Invasores'' potencializa idéias aproveitáveis, como o retrato humano em uma situação de crise e a mudança no cenário social e político causada pelo contágio. Mas a incongruência do fio condutor e a esquizofrenia da edição tomam as rédeas e disparam em outra direção.
Não é segredo o enorme contratempo que assediou a produção de ''Os Invasores''. Como marisco entre a onda e o rochedo, o filme acabou afetado seriamente. No caso, a onda foi o cineasta alemão Oliver Hirschbiegel, afinal quebrada no embate com o onipotente e sempre bem-sucedido produtor Joel Silver, reconhecido empreendedor de blockbusters. Em cena a velha, conflituosa e irresolvida dualidade arte e comércio, desafio a assombrar desde sempre a história do cinema.
Em seu primeiro filme em inglês, Hirschbiegel, diretor de ''A Queda - Os Últimos Dias de Hitler'', quis narrar uma história pausada e cerebral que não entregava resolução fácil. Por sua vez, o magnata Silver só queria mesmo um produto para escapismo de verão, com ETs e um belo rosto de mulher a dividir a tela com explosões. Para isto despediu o alemão, contratou em seu lugar James McTeigue (''V de Vingança'', o que significa muito pouco) e chamou como supervisores ''espetaculares'' os irmãos Wachowski (''Matrix''). O resultado é um híbrido de estilos e tons, variando entre suspense e ação insípida. A desconexão é óbvia, com pausadas reações mal se equilibrando com a vertigem. A direção oscila entre arbitrária, superficial, enigmática e ridiculamente previsível.
Conhecendo os personagens desta intriga de bastidores hollywoodianos, é perfeitamente lícito conceder o benefício da dúvida a Oliver Hirschbiegel e supor que sua versão de ''Os Invasores'' seria bem superior a esta. A que se assiste com certeza saiu perdendo depois da manipulação do produtor. Manipulação de resto inútil, como provou a bilheteria nos EUA de apenas U$ 15 milhões em dois meses de exibição contra os U$ 80 milhões investidos.