"O povo aumenta mas não inventa". Esta máxima pode muito bem definir o espírito irônico de "Narradores de Javé", um grande filme brasileiro que chega a Curitiba depois de um certo atraso. Mas essa demora é recompensada, pois o filme já recebeu diversas críticas muito positivas, além de prêmios em vários festivais nacionais e internacionais.
'Narradores de Javé' conta a saga de um povoado ameaçado pela construção de grande hidrelétrica. Os moradores tentam, através do relato de suas memórias, impedir a obra. Por serem analfabetos, eles incumbem Antônio Biá, ex-funcionário dos Correios - demitido por escrever cartas contendo histórias íntimas dos moradores - de ser o escrivão do passado da cidade.
Um passado bastante heróico pelo que relatam (com muitos exageros) os descendentes dos fundadores do vilarejo. Antônio Biá ouve as várias versões que sobrevivem na memória dos moradores, aproveitando para "incrementar" com toques pessoais algumas das histórias.
As cenas rendem ótimas gargalhadas. Mais ainda rendem os nomes das histórias e das expressões usadas por Antônio Biá: Piaba de silicone, Tapioca de Exú, Manicure de lacraia, Pokemon de Jesus, Omelete de cupim, Desinteria de tinta, Um dilúvio bovino, Clonado de miolo de pão, Que nem jacaré apaixonado, Iemanjá de açude, Exu de galinheiro, entre outras.
No elenco somam-se atores profissionais (como José Dumont, Matheus Nachtergaele, Nelson Xavier, Luci Pereira, Gero Camilo, Rui Rezende e Alessandro Azevedo) e moradores de Gameleira da Lapa, povoado baiano e principal cenário do filme. O roteiro - de Luís Alberto de Abreu, em parceria com a diretora Eliane Caffé - insere-se nas pesquisas do autor em busca de dramaturgia fundamentada na memória oral e na rica cultura do Brasil profundo.
Nos créditos técnicos, Narradores de Javé conta com craques como Carla Caffé (direção de arte), Hugo Kovensky (fotógrafo argentino-brasileiro, formado na Bélgica) e Daniel Rezende, a nova sensação entre os montadores brasileiros (Cidade de Deus lhe rendeu o Bafta, o Oscar inglês de Melhor Edição).
Entre as premiações, o filme esteve na seleção oficial do Festival de Roterdã; ganhou Prêmio da Crítica, em Fribourg/ Suíça; Melhor Filme e Melhor Roteiro no 30 Festival Internacional do Filme Independente de Bruxelas; conquistou os prêmios de melhor filme, segundo o júri popular e oficial, e melhor ator (para José Dumont) no Festival do Rio; e nove prêmios no Fest Recife, incluindo o de melhor filme.