Depois de ''Juno'', este ''Onde os Fracos Não Têm Vez'' - tradução apelativa, empobrecida e desprovida do significado do original ''No Country for Old Men'' - chega a Londrina duas semanas antes da cerimônia do Oscar, agora confirmada com o fim da greve dos roteiristas. ''Desejo e Reparação'', ''Sangue Negro'' e ''Conduta de Risco'', inéditos na cidade, mas já lançados no circuito nacional, completam uma das melhores seleções dos últimos anos.
A chave está no título. E em abrir bem os olhos. ''Não é País para Velhos'' - a partir daqui só me referirei ao original - é um desses filmes que convém avaliar com cautela, porque é fácil afirmar simplesmente que é uma obra-prima e se perder em divagações e imprecisões para justificar este juízo. Suas virtudes, antes da meia hora final, parecem restringir-se ao estritamente cinematográfico: a narrativa surge primeiro como experiência visceral, e somente quando esta experiência chega ao fim é que se torna possível compreender exatamente do que se tratou na tela.
Assim, na primeira hora de duração, ao espectador é oferecido um espetáculo de suspense irretocável, orquestrado ao redor do enquadramento, do tempo e do silencio. Não há quase nada o que dizer da linha argumental. Oeste do Texas, anos 1980.
Um veterano do Vietnam, Llewelyn Moss (Josh Brolin), agora caçador e alguém que pensa que é esperto, mas não é, encontra no deserto várias caminhonetes recheadas de cadáveres, vítimas de acerto de contas entre traficantes. E uma valise com 2 milhões de dólares. Com o dinheiro, ele passa a ser perseguido por um assassino psicótico, Anton Chigurh, ou Sugar (Javier Bardem), alguém que o veterano xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) não tem qualquer condição de deter.
O importante em ''Não é País para Velhos'' não é a intriga em torno do dinheiro. O importante, do ponto de vista do significado, da reflexão contida no filme, é como o envelhecido e enfastiado xerife na pele de Lee Jones se dá conta da violência irracional da condição humana. E o resultado é o que o personagem de Bardem determina no enfoque da narrativa. Não porque ela, narrativa, é vista através dos olhos dele, mas porque os olhos do velho homem da lei percebem o que ele representa.
Um dos componentes da genialidade deste trabalho de Joel e Ethan Coen é que atravessamos boa parte de sua metragem acreditando estar diante só de um thriller, uma mera intriga. De certa forma é assim mesmo, porque é no desenlace da história que as coisas se definem. Reiterando o que foi dito acima, o primeiro terço do filme busca gerar no espectador a inquietação através do suspense. Sabe-se pouco dos personagens. O homem que encontra o dinheiro é casado, conhecemos sua mulher. Anton, o assassino perseguidor, é metódico no trabalho, anjo da morte sem moral mas obcecado com o azar como motor principal da vida das pessoas.
E o restante é como é, com os Coen orquestrando seus imensos recursos para resolver a equação cinematográfica que combina elementos visuais - enquadramento, fotografia, montagem - com o objetivo de gerar o suspense. Como aplicadíssimos e talentosos discípulos de Hitchcok. Mas não é esta a questão.
De volta ao primeiro tempo do filme. Tommy Lee Jones, ou seu alter ego na ficção, o xerife Tom Bell, faz o inventário do que foi sua vida como defensor da liberdade desde os 25 anos de idade, e seguindo a trilha de seus antepassados que sempre elegeram esta profissão. Depois deste monólogo, o personagem desaparece da trama e volta esporadicamente, mas como alguém secundário, elemento acessório na trama. Quando na verdade ele é a razão do filme, e o que afinal justifica o título.
Isto significa: os velhos não têm país, não têm possibilidade de garantir um lugar e ocupar um espaço, pelo simples fato de serem velhos. É o que ocorre a Tom Bell. Ele ficou para trás, aliás foi deixado para trás. Não compreende a violência que agora lateja nas pessoas, não compreende este agora. Como os velhos, se apega a um passado que também não compreendia, mas que pode recordar e moldar a seu gosto.
Os Cohen, com sua habitual argúcia e profundo conhecimento da cultura americana, encontraram na literatura de Cormac McCarthy um universo fertilíssimo. Num certo sentido, o encontro entre os irmãos cineastas e o escritor marca a consequência lógica. O desafio consistia em manter a fidelidade a um texto a partir da articulação de uma linguagem visual, uma equivalência cinematográfica ao laconismo evocador, poético e quase místico de uma obra literária em que os personagens falam através de ações e não de sua psicologia - à exceção dos espaçados monólogos do xerife Bell. O resto é ação, movimento, fatalismo e alguns poucos diálogos concisos, talhados a faca afiada.
Os Cohen traduzem à perfeição o discurso seco de McCarthy sobre o ocaso da ética do caubói e o que tomou seu lugar: a emergência de sua destorcida cadeia evolutiva, na figura do predador amoral, arbitrário, implacável e ocasionalmente funcional na selva corporativa. Sobre o trabalho coadjuvante (?) de Bardem, já recompensado com o Globo de Ouro, o Bafta e a caminho inescapável do Oscar: duvidem de tudo o que ouviram ou leram favoravelmente a respeito dele no filme. É muito, mas muito mais.