Pule esta parte. O título. ''Ligeiramente Grávidos''. Não há como oferecer credibilidade, um mínimo de garantia de diversão pelo menos razoável. O original também é de pouca ou nenhuma ajuda, ''Knocked Up''. E a sinopse curta não fica atrás: ''depois de muitos drinks, rapaz engravida moça que conheceu na mesma noite''.
Assim, esqueça tudo isso e entre sem susto: é de longe a melhor estréia nacional do circuito, e uma das mais inspiradas comédias do ano. Isto definitivamente não é pouco, diante da globalizada inspiração evasiva.
De vez em quando surge um grupo de diretores e comediantes que fazem filmes com estilo particular, tanto nos argumentos como no tipo de humor. Lá bem em meados do século passado havia Frank Sinatra e seu clã, depois a turma sempre renovada do Saturday Night Live nas décadas de 1970, 80 e 90 com Dan Aykroyd, John Belushi, Bill Murray, Chavy Chase, Adam Sandler, e bem mais recentemente Will Ferrell, Ben Stiller e o diretor Judd Apatow, este com prestígio junto à crítica após as séries televisivas ''Freaks and Geeks'' e ''Undeclared''. Há pouco veio ''O Virgem de 40 Anos'', e agora este ''Ligeiramente Grávidos''.
Segundo sua tradição, melhor dizendo, seus hábitos, Apatow combina vulgaridade e um suave recado romântico que conferem dimensão adulta a seus roteiros, que seriam ofensivos se não fossem nuançados pelo calor humano que repousa no fundo (muito no fundo) de seus grosseiros personagens. Experimente uma formula que combine ''American Pie'' e Jane Austen, aqui e ali adereçada com drogas e cultura nerd. É por aí.
No centro do argumento de ''Ligeiramente Grávidos'' está o casal nada orgânico vivido por Ben (Seth Rogen) e Alison (Katherine Heigl). Ele é o desocupado virtual, típico resíduo da sub-cultura informatizada, sem trabalho fixo mas com imenso potencial para explorar as últimas fronteiras da internet e lá implementar um negócio em sociedade com seus amigos nas mesmas condições negativas-inoperantes. Por sua vez, ela é toda ambição, produtora do canal E! e recém-promovida. Para celebrar, cai na balada com a irmã. É quando conhece Ben, com quem compartilha aquela decantada noite de porre e sexo, prontamente lamentada dia seguinte.
Mas a coisa não fica só no arrependimento. Semanas mais tarde a moça descobre que, do duplo risco que correu, o menos complicado gerou seu fruto. Grávida, ela informa o ex-apático e agora aterrorizado Ben. Ele oferece ajuda em tudo que for necessário. E embora um filho não conste do programa de vida de ambos, ela decide prosseguir a gravidez e formatar uma família com o aturdido pai da criança.
Embora sem merecer o efusivo rótulo de quase obra-prima anexado por grande parte da crítica nos EUA, o filme faz por merecer muita simpatia e interesse do espectador, que aos poucos descobre que o roteirista e diretor Judd Apatow criou com eficiência uma realidade palpável - as dificuldades físicas e emocionais da gravidez, além da relação entre duas pessoas praticamente desconhecidas -, distanciada das habituais piadinhas rasas e situações constrangedoras que Hollywood produz com exasperadora frequência.
O roteiro é habilmente construído, e mesmo quando trilha caminhos já conhecidos e emprega clichês já vistos, há lógica e sensatez no processo. O filme, em sua base, tem a estrutura da comédia romântica que se sabe à exaustão. Casal se conhece, casal se apaixona, casal briga e casal que se reconcilia, ou não. Aqui, estas etapas não são forçadas e só ocorrem por causa dos próprios personagens, e não pela arbitrariedade de efeitos externos.
Pode-se rir muito em ''Ligeiramente Grávidos'', pode-se mesmo refletir durante o filme. O equilíbrio entre humorismo vulgar encontra sem traumas o sentimentalismo amável. O elenco é competente, e o resultado geral é plenamente satisfatório. Os 130 minutos é que são além da conta.