No fundo da gaveta de alguma mesa de algum alto executivo da Fox em Hollywood deve existir um memorando qualquer justificando a decisão do estúdio de realizar este ‘Garfield: O Filme’. Mas até que a arqueologia do cinema desenterre o documento e o torne público um dia, a razão para explicar tal desatino vai permanecer um mistério. Sim, porque não há atenuante ou motivação plausível que torne sequer palatável este desvio de rota de um dos mais incômodos personagens da contracultura pop surgidos nos Estados Unidos na segunda metade do século passado.
O gato glutão, obeso, indolente, sarcástico, cínico e divertido da raça Tabby já nasceu ícone na grande imprensa americana como tira cômica – e cult instantâneo – em 1978, criado por Jim Davis. Em 1982, apareceu a fonte de inspiração óbvia para o longa-metragem que estréia hoje em todo o país (veja a programação de cinema na página 2), um especial televisivo chamado ‘Here Comes Garfield’, no qual o felino resgatava Odie e outros bichos de um depósito público de animais. Nesta sua passagem para a tela grande, o egocêntrico bichano amarelo, que fascinou várias gerações de leitores e telespectadores (há uma bela coleção de desenhos, em torno de 30 minutos cada), merecia um tratamento bem mais divertido e surpreendente do que este que temos no filme dirigido pelo inexpressivo Peter Hewitt. Os (bem) pequenos podem até se divertir, mas o público cativo do carisma adulto do personagem vai execrar.
De novo está o manipulador Garfield às voltas com Odie, este cão apatetado que Jim Davis retratou não exatamente como um modelo de independência e esperteza. O argumento é tão elementar que pode ser resumido em uma única frase: Garfield sente ciúmes de seu dono Jon porque este quer iniciar um romance com a veterinária Liz e, para piorar as coisas, incorporou ao ambiente doméstico o cão Odie, destinado a dividir território, comida e mimos com o outro bicho da casa, adivinhem quem? A nova situação provoca uma atitude radical de Garfield, que no entanto lançará mão de atitude politicamente correta para tirar Odie da enrascada.
Inerte, aborrecida e medíocre esta adaptação de Garfield ao cinema resulta ainda mais comprometida pela falta de audácia, pelo roteiro indigente, pela incapacidade de gerar gags inteligentes. Comer lasanha (o óbvio), assistir à tevê escarrapachado na poltrona, enganar a Jon, dançar com falta de graça ou cantar um clássico (de James Brown) como ‘I Feel God’: visto isto, e isto é bem pouco nos arrastados 80 minutos, logo o espectador vai se entediar mortalmente com o vazio e a inutilidade de um filme que não se sustenta minimamente em termos narrativos ou dramáticos.
O que sobra são os avanços no terreno da animação tridimensional, mixando um Garfield CGI (imagem gerada por computador) e personagens em carne e osso, embora sem grandes novidades – Stuart Little, Scooby Doo, o mais antigo Roger Rabbit. E nem mesmo é possível ouvir um esforçado Bill Murray dublando Garfield no original em inglês. As cópias em exibição em Londrina trazem um inexpressivo Antonio Calloni fazendo as vezes do anti-herói especializado na lei do menor esforço.