A boa surpresa de ''Cazuza - O Tempo não Pára'', em 160 salas do país, é o ator mineiro Daniel de Oliveira, de 26 anos, que vive - ou incorpora - o polêmico e talentoso personagem-título, o poeta transgressor que representou ao extremo a geração surgida no vácuo da ditadura, anos 1980.
A Folha de Londrina entrevistou Daniel de Oliveira uma semana antes da estréia, em São Paulo, durante a apresentação do filme para a imprensa nacional.
Por quanto tempo você se preparou para o papel de Cazuza?
Um ano e meio. Para viver este papel - e eu teria que realmente viver sem economizar nada - eu parti do seguinte princípio: me jogar mesmo, acreditar, romper meus limites, minhas barreiras, enfim, desbravar mesmo esse cara aí. Primeira coisa que fiz: aluguei um apartamento no Leblon pra já estar ali naquele ambiente Cazuza, mesmo sem ser mais anos 1980. Fiz o meu próprio QG Cazuza. Foi um trabalho de imersão total, respirei Cazuza 24 horas por dia.
Como foi lidar com a questão do tempo? O Cazuza no século 21, como funcionou na sua cabeça?
Comecei a ouvir Cazuza aos 13 anos, com o último LP dele, o ''Burguesia''. Olhava aquela figura e já achava interessante aquele cara ultra magro, de bandana na cabeça botando pra quebrar no palco, doente. Conheci a Aids através do Cazuza. As letras do disco mexiam comigo, me interessavam muito, e continuam lindas e atuais. O Cazuza de ontem e o deste século novo é o jovem eterno com seus conflitos, suas buscas, sua intensidade. O filme daqui a uns vinte anos ainda vai ser um filme jovem.
Como se sentiu, indo tão fundo no personagem?
Para fazer o filme eu tinha que conhecer muito bem o Agenor de Miranda Araújo Neto. O Cazuza dos dois lados, o garoto doce e afável. E o lado B do Cazuza, o radical na Via Appia madrugada adentro, sempre querendo a última dose, o último de qualquer coisa. Fosse como fosse, eu tinha que conhecer esses dois extremos do Cazuza conflitante mas maravilhoso.
Que outras fontes buscou para o trabalho?
Na verdade houve também uma busca no útero, com a mãe do Cazuza, a Lucinha. Minha mãe, Aurora, quando soube que eu ia interpretar o personagem, me deu o livro-depoimento escrito pela Lucinha, ''Só as Mães São Felizes''. Li três vezes, antes, durante e no final das filmagens. Três leituras, três impactos diferentes. Além disso, eu lia o que ele tinha lido, prosa, poesia, tudo, busquei referências literárias, além das musicais, rock, clássicos da MPB. E é claro que ouvia Cazuza direto, a todo momento. Pela música eu encontrei muito a composição do personagem, afinal eu ia cantar também. Encontrei o jeito de cantar. Vi também muito material filmado, por ele mesmo em Super 8, vídeos de shows, Rock in Rio.
E como você sentiu a direção da Sandra (Werneck) e do Walter (Carvalho) ?
Cooperação total, abertura total. Foram muito receptivos para algumas idéias que sugeri e que não estavam no roteiro. Quer ver um exemplo? Durante as filmagens, sonhei uma noite com uma frase que levei para o set no dia seguinte. Disse pra eles que aceitaram de cara: ''Eu prefiro os desajustados noturnos ao tédio daquelas pessoas que não sabem amanhecer''. Eles sentiram que eu estava pulsando o Cazuza.
A presença da Lucinha, mãe do Cazuza, no sets, ajudou ou atrapalhou?
A Lucinha me apoiou desde o momento em que fui escolhido no teste para o papel. Em momento algum ela colocou barreira ou me criticou ou falou o Cazuza era assim, o Cazuza era assado. Ele me liberou total para fazer o filme. Acho que uma mãe pra fazer isso tem que ter muito desprendimento.
Quem é o ator Daniel de Oliveira, que a maioria das pessoas ainda não conhece mas que já tem trabalhos em cinema e TV?
Eu comecei aos 14 anos fazendo teatro em Belo Horizonte. Vim para o Rio mais tarde, fiz ''Malhação'', aluguei um apartamento, ralei um bom tempo, voltei pra Minas e aí o cinema apareceu com ''O Circo das Qualidades Humanas''. Não foi um filme muito visto, aliás ninguém viu porque foi filmado em Congonhas do Campo e circulou muito mal só em Minas. Já o ''Cazuza'', espero, todo mundo vai ver.