Conhecimentos tradicionais, segredos das plantas medicinais, crença e muita vontade de cuidar do próximo. Estes são alguns dos ingredientes que compõem a saga humana das benzedeiras, realidade de um Brasil profundo que resiste até o presente. A partir do retrato de um grupo de mulheres do interior do Paraná que exerce esta prática, o documentário em curta metragem "Benzedeiras - Ofício Tradicional" revela a saga humana que se repete em muitos rincões do país. Com roteiro e direção da cineasta, pesquisadora e professora Lia Marchi, especialista em cultura popular, e produção da Olaria Projetos de Arte e Educação, o filme será lançado pela internet, com acesso livre, ainda nesta terça-feira (20). O filme poderá ser assistido no endereço https://www.youtube.com/olariaculturalcombr.
Já no dia 5 de novembro, o lançamento será celebrado com uma exibição na Universidade Federal do Paraná, no Anfiteatro 100, 1º andar do Edifício Dom Pedro I, às 19 horas. O encontro terá a presença da autora da obra e também de três das benzedeiras retratadas no filme - Agda de Andrade Cavalheiro, Eugenia Ferreira e Ana Maria dos Santos. Após a exibição, ocorrerá um bate-papo com o público sobre a produção, que foi viabilizada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba, com incentivo da Caixa Cultural Curitiba.
Longe das capitais e dos grandes centros urbanos, onde por muito tempo médicos e postos de saúde eram raros, pessoas que se dedicam a ajudar e curar outras com o auxílio de chás, pomadas, infusões e muita fé, traziam uma alternativa. Em seus 24 minutos de duração, este documentário mostra o trabalho de um grupo de mulheres dedicadas a esta missão. Com imagens poéticas e olhar que consegue se aproximar muito ao universo retratado, o filme revela a luta delas pelo reconhecimento de seu ofício, dando voz às protagonistas deste processo.
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Por meio de depoimentos e cenas do cotidiano das benzedeiras, o filme mostra detalhes das práticas realizadas por um grupo de mulheres da região de Rebouças e São João do Triunfo, a cerca de 200 quilômetros de Curitiba. A relação delas com a terra e seus frutos - raízes, cipós, folhas e demais "remédios do mato" - se dá numa área de terras comunitárias, cultivadas e cuidadas de maneira cooperativa. A partir daí, o filme mostra o processo de organização das benzedeiras e, com o apoio do Movimento Aprendizes da Sabedoria, a conquista do reconhecimento.
Esta trajetória iniciou em 2008, com a realização do I Encontro Regional de Rezadeiras, curadores e costureiras de machucaduras de cidades do centro sul do Paraná, organizado pelo Movimento. No ano seguinte, um mapeamento indicou a existência de 294 detentores de ofícios tradicionais de cura na região. Em 2010, a Câmara Municipal de Rebouças aprovou a Lei nº 1401, que reconhece os conhecimentos das benzedeiras como oficio tradicional de saúde popular. Ficou oficializado, assim, o reconhecimento da importância do trabalho delas para a saúde pública, garantindo-lhes o direito de exercerem seus saberes e o livre acesso à coleta de plantas medicinais nativas. Nas cenas finais, as benzedeiras exibem felizes suas carteirinhas que garantem a conquista.
SOBRE O FILME
Com uma extensa produção cultural focada na cultura popular, Lia Marchi conheceu as personagens deste documentário em 2011, num evento realizado pelo Iphan em Curitiba. Depois deste dia foram muitas visitas à região de onde elas vieram, muitas conversas e, por fim, o projeto e a gravação do filme. A obra foi rodada em 2015.
"Nos tempos idos, em que médico não existia perto, as benzedeiras e os benzedores foram médicos, psicólogos, enfermeiros, confidentes, amigos. Foram – e são – cura para males que podem estar numa gama que vai da bicheira à depressão, passando por machucaduras, inflamações, quebrantes, até o famoso 'ar'", conta Lia. "Foi neste percurso de singularidades, das vidas privadas destas mulheres, das particularidades de cada mazela que afligia um doente ou outro que eu vi, em cada uma delas, o sentido da comunidade, do indivíduo partilhando sua vivência com a história da coletividade".
Conforme Lia, elas passaram por uma trajetória de "resignação e luta, misturadas com a alquimia destas mulheres e homens que souberam lidar com o preconceito, com o medo, com a desinformação". Foram, sintetiza a pesquisadora e cineasta, protagonistas de um milagre humano.
O Movimento Aprendizes da Sabedoria mostrou-se uma ferramenta de grande importância para o futuro das benzedeiras e benzedores da região, prossegue Lia. "Ao mesmo tempo em que trouxe um reconhecimento externo aos saberes e fazeres destas pessoas, trouxe também algo de fundamental para a vida de cada uma delas: o entendimento de seu próprio valor, a certeza de que sua cultura e sua tradição têm lugar no mundo e o sentido de que suas práticas vão para além de suas vidas".