Estreias

Com produção impecável, 'Olga' chega aos cinemas

19 ago 2004 às 16:42

Todos os anos a organização do Festival de Gramado enfrentava um problema logo na noite de abertura. Um só, não. Dois. O primeiro era o dispensável cerimonial de abertura com os pronunciamentos (mais políticos que artísticos) de sempre e um show de palco de qualidade discutível, ambos esticando o tempo desnecessariamente.

Isto acabou já há algum tempo, com a antecipação e transferência dos discursos para a Rua Coberta em frente ao Palácio dos Festivais. Na noite de abertura do festival (16 de agosto, segunda-feira) foi assim, com o governador Germano Rigotto falando para quem quisesse ouvir às seis da tarde e o festival começando no horário.


O outro impasse. Como muita gente ainda não tinha chegado, a platéia do Palácio dos Festivais era, digamos, tímida, também por causa da quase nenhuma exposição na mídia dos primeiros e ainda inéditos filmes concorrentes. Mas ao que tudo indica, acabou o tempo das poltronas vazias.


E a solução é simples, desde que disponível a mesma circunstância favorável: no abre-alas, como impacto aglutinador, colocar sempre na até então modorrenta sessão de estréia da mostra um blockbuster brasileiro em véspera de lançamento nacional. Não muito fácil, mas também não impossível. ''Olga'', drama de época que custou 8 milhões de dólares, avaliza esta idéia e preenche esses requisitos. Até no chão tinha gente sentada.


Ao final dos 140 minutos do filme que estréia em todo o país, a sala lotada aplaudiu longa e generosamente a dramática cinebiografia de Olga Benário Prestes. À saída do cinema, o diretor Jayme Monjardim e todo o elenco foram festejados com entusiasmo.


E assim, diante de tão efusiva e calorosa acolhida da platéia, os produtores não vão ter do que reclamar. Impresso ou eletrônico, o espaço colhido aqui sem nenhum custo de marketing vai ter um peso relevante para a divulgação do filme.


Produção impecável não significa filme impecável, embora no caso de ''Olga'', para a maioria das pessoas, o brilho externo será sempre muito mais importante do que qualquer deslize detectado. E deslizes há, diversos. Alguns mais graves, outros nem tanto e que não comprometem propriamente.


Quando se dispôs a escrever uma adaptação do best-seller homônimo de Fernando Morais, a roteirista e produtora Rita Buzzar acabou finalmente optando por um tom de ilustração folhetinesca destinada à adesão fácil e imediata do espectador.


E quando buscou a parceria de um diretor, alguém afinado com esta estrutura de narrativa dramática, encontrou no até então televisivo Jayme Monjardim (''A Casa das Sete Mulheres'') o cúmplice ideal.


Acima de tudo ''Olga'' é isso, folhetim fazendo as vezes de um filme. E, portanto, grande parte de seus diálogos ralos, por exemplo, não são adequados para a dramaturgia de uma adaptação que se pretende historicamente rigoroso, mas para a superficialidade de um folhetim.


É como se quem assina o produto soubesse que os muitos, visíveis e audíveis recursos empregados em um filme tinham que ser essenciais e não complementares. Como aqui, por exemplo, é intoleravelmente essencial a trilha musical de Marcus Viana, que se intromete, lambuza as imagens e quase sempre as torna irritantes e pegajosas.


A complexidade dos personagens Olga Benário e Luis Carlos Prestes, segundo a ótica de Fernando Morais, foi simplificada pela visão meramente hagiográfica do argumento de Rita Buzzar e pelo tratamento rasante do diretor Monjardim.


O enfoque reducionista, se por um lado ''populariza'' um obscuro nicho da história brasileira e dá realce romanceado e glamouroso a dois personagens que resultam apenas idealizados aos olhos da platéia, por outro não introduz, ou esclarece, ou não responde, a questões importantes daquele período.


Aqui, a superficialidade é inimiga absoluta da perfeição, em boa parte consequência de liberdades tomadas para azeitar o paladar do público. Nem neste sentido o filme revela vocação para a polêmica, já que o Brasil é pouco visto, passa ao largo dessa trama.


O elenco é outro ponto de controvérsia. Há quem vá achar Camila Morgado uma Olga perfeita, e sua concepção da personagem é interessante, mas nunca genial, e a criação deve ter sido toda por conta dela, exageros inclusive, já que Monjardim parece ausente na direção de atores.


O mesmo vale para Caco Ciocler, um pouco mais nuançado como Luis Carlos Prestes. O restante oscila entre a estereotipia e a caricatura ligeira - Floriano Peixoto como Filinto Muller, Osmar Prado encarnando Getúlio, Luis Mello e Eliane Giardini recriando os pais de Olga.


A exceção é a grave, sincera, iluminada presença de Fernanda Montenegro como a mãe de Prestes, dona Leocádia, provando que um papel mesmo periférico pode fazer enorme diferença.

A exuberante direção de arte, assinada por Tiza de Oliveira, funciona em justa sintonia com a bela fotografia de Ricardo Della Rosa, ambas justificando as ambições da carreira internacional pretendida pela produção.


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