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Com a palavra, a infância vitimada

Carlos Eduardo Lourenço Jorge - Folha de Londrina
07 abr 2006 às 13:23

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‘Tartarugas Podem Voar’’ é um filme emocionante sobre o cotidiano desolador das crianças na guerra - Divulgação
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Acontece muito raramente, um filme ser projetado no último dia de competição de um grande festival internacional e levar o prêmio máximo. Pois foi o que aconteceu em San Sebastián, onde ''Tartarugas Podem Voar'' recebeu a Concha de Ouro e o aplauso incondicional de público e crítica, tão grande o impacto causado.

Ambientado antes, durante e depois da invasão americana ao Iraque, o filme descreve esta guerra a partir do ponto de vista de um grupo de crianças curdas. A experiência devastadora pode ser conferida em Londrina, com a estréia de ''Tartarugas Podem Voar''.

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Estamos no Iraque. Não em Bagdá ou Tigrit ou Basora, velhas conhecidas dos noticiários da mídia internacional. O lugar é o Kurdistão iraquiano, na fronteira entre Turquia e Irã. É ali, numa espécie de terra de ninguém, que fica um assentamento de civis. Todos reféns desta enésima guerra prestes a ser declarada.

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Desta vez, os americanos prometem acabar com Saddam; eles são a esperança do fim do terror, do fim de toda esta miséria sob a explosão das bombas. No entanto, antes deste futuro promissor, há uma outra guerra.

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Ele tem quinze anos, mais ou menos. Implacável e carismático, é chamado de Satélite porque neste povoado ele é o único que sabe instalar uma antena para captar emissões de televisão, alguma coisa vital no momento em que o filme começa: é a véspera do ataque americano ao Iraque.


Satélite também é o líder das crianças. E há muitas, órfãs ou separadas dos pais, refugiadas num campo de tendas. Em troca de alguns dinares, os pequenos limpam os campos das minas, minas que depois entregam às forças da ONU. Dizem que os mutilados são os melhores para esta colheita macabra, já que têm pouco a perder...

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A este cenário chega um estranho trio: um garoto aleijado dotado de dons premonitórios, a irmã dele, com belo rosto e um olhar trágico e desesperado, e um garoto de cerca de dois anos, cego. Órfãos, retornando de todas as calamidades humanas, avançam sem nenhuma esperança, a não ser passar despercebidos e evitar as bombas.


As crianças de ''Tartarugas Podem Voar'' encarnam a nova geração de pequenos indivíduos que, entre profundamente céticos e debilmente esperançosos, aguardam a chegada de uma nova ordem que dignifique o mínimo que seja suas existências como meros sobreviventes. Neste cotidiano desolador, a câmera do diretor Bahman Ghobadi vai descrevendo a inútil paisagem daqueles que somente são contabilizados como cifras estatísticas ou efeitos colaterais.

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Ghobadi, que dirigiu o excepcional ''Tempo de Embebedar Cavalos'', já lançado no Brasil, evoca ainda sentimentos íntimos de seus personagens, seus sonhos e seus pesadelos, ao mesmo tempo em que desfila na tela uma série de temas essenciais, como a capacidade de adaptação das novas gerações, a hipocrisia dos adultos mais velhos e a sistemática manipulação que a televisão faz da realidade.


Ainda que os horrores da guerra do Iraque apareçam retratados com implacável realismo, sem dúvida o que pode surpreender a muitos espectadores é a denúncia, sem qualquer paliativo, de um Saddam Hussein extremamente sanguinário.

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Por outro lado, o filme capta bem o flagrante da decepção, exatamente aquela que ostentam os protagonistas quando a chegada dos Estados Unidos não traz a paz e a prosperidade anunciadas.


''Tartarugas Podem Voar'' é um desses filmes lancinantes cujas imagens parecem gritar, filmes que dão a palavra às vítimas, no caso estas crianças abandonadas, miseráveis, feridas profundamente tanto no corpo como no coração.


Não há nesta história explicitude de horrores bélicos, e nem a armadilha fácil do melodrama salvador. Há, sim, uma espécie de halo fantástico que envolve a narrativa de uma fábula cujos limites são os espaços da dor.

Diante destas pungentes desventuras que vão repercutir para sempre na vida dessas crianças, se vida ainda houver para ser vivida, não há como falar de artifícios técnicos, ou analisar interpretações, ou mencionar direção de arte sem parecer frívolo. O que interessa de fato é o olhar que o filme lança na direção dos menores vítimas da guerra. Um olhar carregado de poesia trágica e profunda perspicácia.


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