Baseada em fatos reais. A advertência quase sempre deve ser ignorada por inútil. Aqui não. Em lançamento no circuito local, este filme muito bem orquestrado pelo diretor Mike Nichols - que está vivo e felizmente sempre reaparece entre os bons veteranos que parecem ter sumido para sempre - é uma espécie de resposta paradoxal, tragicômica e apaixonante a quem perguntou que diabos foi aquela intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão há quase 30 anos.
Foi assim: a Rússia invadiu aquele país em 1979. Claro, os EUA se incomodaram, e muito. Decidiram intervir através da CIA, vale dizer, como sempre a princípio extra-oficialmente, e armaram um grupo de rebeldes mujahedin que expulsaram os soviéticos dez anos depois. ''Jogos do Poder'', que só não é hilário porque é tão dolorosamente real, coloca na transparência do raio X os estranhos passos do Congresso dos Estados Unidos para ''remediar'' aquele conflito.
Logo na abertura, o deputado democrata texano Charlie Wilson (Tom Hanks) é condecorado por sua luta contra o regime comunista, pouco depois da queda do Muro de Berlim. Esta é uma imagem enganosa: ao contrário de um filme-exaltação, um hino nacionalista, ''Jogos do Poder'' vai mostrar logo mais adiante que é uma bem lubrificada combinação entre cinema político de denuncia, cinebiografia delirante (a de um homem cheio de excessos e contradições), melodrama rasgado e a comédia mais ácida e negra que se possa imaginar (e querer) na Hollywood de agora. Sem contar a magistral aula de geopolítica internacional - os EUA acabaram treinando e armando o que logo eles mesmos chamariam de o Mal personificado, a Al Qaeda.
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Política, ensina o filme, tem sempre pouco a ver com as altas instâncias, com a elegância da diplomacia e com discursos fundamentados na ética. Wilson é cínico, hipócrita, promíscuo, cocainômano, alcoólatra e de relativo QI. Foi ele quem, sozinho, possibilitou recursos astronômicos em aporte bélico aos mujahedins afegãos para que enfrentassem e derrotassem o exército invasor soviético.
Baseado em barulhenta novela publicada em 2003, o roteiro de Aaron Sorkin, criador de ''The West Wing'', uma das únicas séries televisivas decentes a que já assisti, vai aterrorizando o espectador ao demonstrar que o destino de mundo pode depender de um jantar na casa da milionária cripto-católica (uma correta Julia Roberts) que recolhe fundos para causas tão distantes como o Afeganistão, ou da reunião muito íntima numa jacuzzi em Las Vegas, onde Wilson e várias stripers bebem e consomem drogas.
O diretor Nichols aposta e ganha. Seu tom se distancia da solenidade, deste pedantismo de filme ''importante'', e opta pela mordacidade, pela comédia negra, quase satírica, impiedosa e implacável acerca de como se produz política nos EUA. No elenco, Philip Seymour Hoffman de novo imprescindível como um divertido agente da CIA. A parte débil de ''Jogos de Poder'' está nas sequências de ação, aquelas desnecessárias paródias mostrando mujahedin disparando mísseis. Dispensáveis, porque as imagens televisivas da época já eram suficientes.