É notória a teimosia, quase obstinação de Hollywood quanto a refilmar argumentos europeus que tiveram lugar, momento e sensibilidade únicos. Arrogantes em suas respectivas atribuições, produtores e roteiristas com certeza acham que, além de muito mais dinheiro no orçamento, falta a estes produtos aquele rançoso verniz ianque que abre (arromba, seria mais conveniente?) portas do mercado internacional subserviente ao idioma.
Idioma de resto incomodado pela presença já forte dos milenares caracteres chineses impostos pela poderosa economia asiática, e que começam a ser encontrados em escolas em qualquer esquina do mundo. Quem viver, verá. E falará.
Um dos mais opacos exemplos desta equivocada apropriação é ''Desbravadores''. Trata-se de uma adaptação mais ou menos livre (o que compromete ainda mais o processo) de uma produção escandinava realizada em 1987, ''Ofelas'' (''Fugindo da Morte'', no Brasil), e que foi candidata ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Noruega.
Em sua evidente incapacidade para estruturar uma narrativa coerente, o diretor Marcus Nispel, realizador de vídeoclipes e da também inútil refilmagem de ''O Massacre da Serra Elétrica'', se propõe contar em ''Desbravadores'' a história de um jovem viking, Ghost (Karl Urban, o Eomer de ''O Senhor dos Anéis'').
Quinhentos anos antes da chegada dos colonizadores das monarquias européias ele é abandonado pelo pai durante uma das prováveis incursões escandinavas ao continente que mais tarde Colombo chamaria de América.
O menino é criado por uma família indígena e com o tempo naturalmente torna-se um deles. Guerreiro por volta dos 20 anos, ele deverá avaliar sua bravura e sabedoria diante de nova invasão viking que ameaça exterminar a população da qual agora faz parte. Vikings contra índios americanos do norte?
O tema, apaixonante, original e fértil na raiz dos descobrimentos, poderia dar excelente material para o cinema. Mas, ao contrário, Nispel dá as costas a este potencial e produz uma ficção insípida, simplória e desprovida de originalidade - o jovem viking-americano dá evidentes sinais de Rambo ou Conan, dependendo do ângulo da tela. E há uma notória rendição ao conceito estrutural e visual de ''Apocalypto'', embora muito distante das marcas do estilo de Mel Gibson.
Há uma tribo, Wampanoag, em que os guerreiros mais parecem um desordenado bando de patetas. E, por outro lado, os vikings são mostrados como demônios descomunais e somente predadores destinados a destruir o que estiver à frente. Estas duas disfunções dão bem a medida do descuido de Nisper pelo fundo (a história) e de sua incontida eleição pela forma - o filme está carregado de elaboradas e inúteis composições visuais.
A abundância de clichês também concorre para malograr ainda mais a narrativa, que reserva momentos de humor involuntário, como a sequência em que os índios preparam uma emboscada para os vikings, mas acabam ingenuamente caindo em sua própria armadilha.
''Desbravadores'' também não poupa pesado dízimo à violência, presente em nível exasperador: execuções impiedosas, mutilações de mulheres e crianças, luxúria sanguinária por onde quer que vá o olhar do espectador.