Um dos candidatos ao Oscar deste ano de melhor filme, entre outras seis nominações, ''A Rainha'' chega às salas do País apoiado num trio de mulheres notáveis: Elizabeth II, rainha da Inglaterra; Helen Mirren, atriz inglesa que a interpreta no filme, e a princesa de Gales, Diana Spencer, a Lady Di que se tornou patrimônio afetivo do povo da Inglaterra.
O diretor Stephen Frears (''Ligações Perigosas'', ''Os Imorais'', ''Mrs. Henderson Apresenta'') oferece aqui a radiografia da casa real inglesa mais antiga e protocolar, a partir do acidente que matou a princesa há quase dez anos.
Além disso, utiliza este episódio para esculpir, com traços firmes e precisos, uma mentalidade moldada durante séculos em certo orgulho e distanciamento, num contexto de estudada discrição e cuidado das aparências, e sustentada sobre os princípios da tradição e da privacidade.
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O tempo cronológico e dramático do argumento está compactado em uma única semana. Aquela fatídica primeira semana de setembro de 1997, quando a morte da princesa Diana causou comoção planetária. Recém-eleito, o primeiro-ministro Tony Blair, naquele momento ainda distante da aventura iraquiana com seu parceiro norte-americano de folguedos sangrentos, tem que lidar às pressas com uma crise sem precedentes na história recente da monarquia britânica.
Ao silenciar diante da morte da ex-nora, a rainha Elizabeth (Helen Mirren) dá as costas ao povo que esperava do Palácio de Buckingham pelo menos um gesto público de pesar e de solidariedade para com a dor estampada nos rostos da multidão atônita, a encher de flores as grades em frente à residência real. O comportamento omisso da soberana abre espaço à impiedosa voracidade dos tablóides de Londres, reconhecidamente os mais predadores entre toda a mídia impressa internacional.
Agindo rápido e com sagacidade, aproveitando o auge de uma popularidade hoje reduzida a frangalhos, Tony Blair sabe o que representa a monarquia para o país e também para sua estabilidade parlamentar. Sua intervenção como bombeiro político é imediata e providencial, e por meio de telefonemas, reuniões e confabulações de bastidores termina por sensibilizar e convencer a rainha da necessidade de uma posição pública reconciliadora com as bases mais humildes da população, até mesmo por uma questão de auto-preservação do trono.
O habilidoso roteiro de Peter Morgan escancara as portas da intimidade monárquica, numa crítica carregada de fina e sarcástica ironia aos usos e costumes protocolares. Mas sem, no entanto, deixar de ser respeitoso à rainha e às suas razões mais íntimas, ela mesma vítima de educação fundada na privacidade dos sentimentos e na consciência de representar uma instituição multissecular.
A sutileza na direção e o pulso narrativo que não se deixam arrastar por impressões fáceis, combinando os momentos decisivos com um toque de refinamento inclusive de humor visual - o tratamento que a rai© nha dispensa a Blair na primeira visita -, são duas linhas decisivas para o funcionamento equilibrado deste filme elegante e decididamente ''british''. Mas de nada serviria esta visão inteligente, sutil, mordaz, aqui e ali comovente, salpicada com toques bem-humorados e momentos de drama mais contido, se não houvesse uma adequada construção de personagens.
O diretor Frears é dono de um olhar certeiro quando decide trabalhar com grandes atrizes, como já demonstrou com Glenn Close e Annette Bening em ''Ligações Perigosas'', a mesma Bening e Anjelica Huston em ''Os Imorais'' e mais recentemente com Judi Dench em ''Sra. Henderson'' apresenta. E este feeling de adequação de intérpretes atinge aqui a quintessencia.
Helen Mirren constrói um trabalho que transcende as fronteiras da interpretação mimética da verdaderia Elizabeth II. Ela adentra o apaixonante território da criação, aquela criação capaz de ''inventar'' um personagem rico e contraditório, consciente de que sua escala de valores e estilo de vida estão deslocados em meio à sociedade contemporânea.
Os olhares da atriz transmitem sentimentos de arrogância e disciplina, ciúme e ternura, solidão e sentido do dever - uma contida mescla do pessoal com o público. Com todo o respeito que merece a trajetória de Meryl Streep e o bom trabalho de Kate Winslet, Penélope Cruz e Judi Dench, não dar o Oscar a Helen Mirren será uma daquelas máculas irreparáveis que volta e meia ocorrem no movediço território da Academia.