Uma trégua, afinal. De Hollywood, e aliás de bem dentro do sistema, chega ao circuito nacional uma rara, revitalizante manifestação de inteligência. E nem é produção independente: a grife é Universal, conglomerado UIP, coisa de grande estúdio mesmo. O filme é ''O Amor Custa Caro'', lançamento de exceção nesta reta final de temporada.
Lançado mundialmente e com grande alarde há pouco mais de um mês no Festival de Veneza, ''Intolerable Cruelty'' está para a comédia maluca assim como o recente ''Longe do Paraíso'' de Todd Haynes está para o melodrama.
É outra homenagem dos irmãos cult Joel e Ethan Coen a um cinema que não existe mais, realizado logo em seguida a ''E Aí Meu Irmão, Cadê Você?'' e ''O Homem que Não Estava Lá'', e antes da iminente refilmagem de ''The Lady Killers'' (O Quinteto da Morte), comédia criminal clássica realizada há 50 anos na Inglaterra.
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Aqui a fraternidade novamente se divertiu à grande, e o que é melhor, também diverte o público com o exemplar resgate da ''screwball comedy'', gênero que floresceu no cinema americano ali pelas décadas de 1930 e 40.
Esta é uma história de casamentos e divórcios, daquela proverbial ''crueldade mental'' que caracterizou o imaginário do matriarcado ianque durante muitos anos, quando as mulheres se garantiam materialmente casando-se e especialmente divorciando-se do ''trouxa'' da vez.
De George Cukor a Frank Capra, passando por Gregory La Cava, Mervyn LeRoy e John Sturges, e culminando com o rei misógino na temática da guerra dos sexos, o grande Howard Hawks, em ''O Amor Custa Caro'' estão reunidas todas as mulheres que ameaçadoramente assombraram os sonhos do macho americano, aquele simbolizado pelo sorriso conquistador de Clark Gable. Não é à toa que aqui a principal arma de um auto-irônico George Clooney são os dentes, sempre reluzentes como um afinado teclado.
Clooney faz um advogado divorcista de Beverly Hills, Miles Massey, de cachê milionário e tão famoso quanto carente de escrúpulos. É o mínimo que se pode dizer deste profissional especializado em rapinar fortunas através de processos de separação, segundo manobras definitivamente baixas.
Catherine Zeta-Jones é a divorciada Marilyn Rexroth, também predadora, iludida pela falcatrua mas capaz de irretocável vingança, ambos se digladiando num cenário de campos de golfe, Rolls Royce, carteiras recheadas e mansões de tirar o fôlego.
Porém cupido está a postos e cumpre sua parte com a habitual eficácia - ele cai por ela e vice-versa -, embora antes do happy end se atropelem muitas escaramuças verbais e legais, e rasteiras e trambiques desfilem diante de uma relaxada platéia. É obviamente facultado evocar, além de Gable, os carismas de Cary Grant, Spencer Tracy, Katherine Hepburn.
Alguém pode questionar: um filme ''menor''? Depende do ponto de vista. Com certeza é tão somente um entretenimento, mas ''Intolerable Cruelty'' contém material suficiente para rechear com esperteza e hilaridade pelo menos uma dúzia de filmes assinados por realizadores com trânsito bem mais flexível pelos corredores hollywoodianos. E há o prazer da narrativa dos Coen, Ethan no roteiro - diálogos afiadíssimos -, Joel na direção.
Aqui, diante de uma viperina e indomável megera, um ''causídico'' vaidoso e metido a galã em crise de meia-idade, um detetive negro que assiste com os amigos as fitas com cenas de adultérios e um assassino brutamontes e asmático, o espectador vai rir muito dos inextrincáveis equívocos que se entrelaçam e se cometem em nome da palavra amor.