Em 2014, enquanto Sérgio Oksman tomava decisões importantes - queria retomar o contato com o pai, de quem estava afastado, e uma boa forma foi convidá-lo para assistir aos jogos da Copa e, depois, convencê-lo a deixar-se filmar -, na Romênia, um autor importante, Corneliu Porumboiu, fez outro filme sobre conversas entre pai e filho em torno de futebol. Porumboiu é um dos grandes autores que colocaram o cinema romeno no mapa.
É dele 'O Tesouro', que estreou na quinta, 21, na cidade. Seu longa de futebol se chama The Second Game, O Segundo Jogo. O filme que Sérgio Oksman fez sobre sua tentativa de reaproximação com o pai chama-se, simplesmente, O Futebol, mas o que menos tem é o esporte. O Futebol também estreou na quinta, 21. No fim de semana passado, venceu a competição brasileira do É Tudo Verdade. Não representa pouca coisa.
Na apresentação do seu filme no Festival Internacional de Documentários e, depois, ao ser premiado, Sérgio Oksman disse que não havia encarado o futebol como metáfora para falar sobre o estado do Brasil e do mundo. É o oposto do que diria Corneliu Porumboiu, porque, ele sim, usa o futebol em The Second Game e a caça ao tesouro no filme em cartaz para refletir sobre a situação da Romênia e a herança do comunismo. A ditadura de Ceausescu foi o flagelo dos romenos. Escavar em busca de um tesouro, ou escavar na memória para compreender o horror fazem parte do mesmo movimento. Já a intenção de Sérgio Oksman é outra.
Brasileiro radicado na Espanha, há muito tempo, por circunstâncias da vida, ele se distanciara do pai. A própria paternidade fê-lo voltar-se para as raízes. Suas mais ternas memórias de infância se referem aos dias de jogos, quando o pai o levava ao estádio para ver o time do coração. Ao tentar a reaproximação, Oksman fisgou o pai para a paixão comum. Houve um momento, percebe-se, em que o pai foi o herói do diretor. O pai sabia tudo de futebol. Era uma enciclopédia viva. Recitava escalações inteiras, lembrava-se de placares, árbitros. O diálogo não é certamente aquele que o filho esperava. O filme abre-se diante do Estádio do Pacaembu, com pai e filho. Seria o momento da ‘retomada’, mas a chuva intervém, eles precisam correr para se proteger. O plano fica, digamos, arruinado.
Esse elemento externo - a chuva e algo mais, que você vai descobrir - intervém no projeto. Vira o tema de O Futebol. É um documentário autoral, na primeira pessoa. Vale (re)pensar. A ideia é se reencontrar para jogar conversa fora em torno do futebol. O pai reclama que não tem dinheiro nem tempo para perder. A presença da câmera, que ele aceita, de alguma forma o inibe. Ficam os dois meio constrangidos. A conversa não flui e, de vez em quando, certas frases, certos comentários sinalizam para velhos ressentimentos. O futebol está lá, e não está. Estacionam o carro perto do Itaquerão e tentam decifrar os ruídos da torcida. É gol, não é? De quem?
Obtido o aval do pai, Sérgio Oksman montou uma equipe em ritmo de urgência. A produtora Zita Carvalhosa, na apresentação do filme, contou que foi uma equipe muito - muito! - reduzida, bem conforme ao tom intimista que Oksman queria imprimir ao trabalho. Quantas vezes você já ouviu de autores de documentários que, ao contrário da ficção, quando se sai munido de uma câmera para filmar pessoas ou eventos, você não sabe o que vai encontrar - nem o filme que conseguirá fazer. O Futebol é a melhor prova disso. Nada saiu como o diretor planejara, mas ele fez um filme e esse filme venceu o É Tudo Verdade.
Na verdade, o Festival de Documentários deste ano celebrou uma tendência, porque o vencedor internacional também foi um documentário na primeira pessoa. Em Um Caso de Família, Tom Fassert recebe um convite de sua avó para visitá-la. Seu pai não tinha lembranças muito boas da mãe, mas ele descobre uma personagens riquíssima, uma mulher devorada de homens que o fascina com suas histórias. Muitas histórias, poucas histórias, nenhuma história. Os caminhos do documentário são diversos. A vitória de O Futebol no É Tudo Verdade que o diga. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.