O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos em primeiro grau da Operação Lava Jato, recomendou calma aos brasileiros nesse momento que ele considerou "um pouco turbulento". Ele pediu que as manifestações contrárias ou a favor do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) aconteçam "sem violência, sem radicalismo com muita calma, muita serenidade". O magistrado disse que são compreensíveis as angústias e as reclamações diante do contexto econômico e político. "Mas mesmo assim é importante que isso seja desenvolvido sem discurso de ódio e sem violência contra ninguém", afirmou, lembrando que "dentro de uma democracia não existe nós e eles. Existe nós, apenas".
Moro fez a recomendação durante a palestra proferida na noite de anteontem, na Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), no encerramento do 2º Fórum Transparência e Competitividade, evento organizado pela Federação para debater medidas mais eficazes de combate à corrupção dentro das empresas. Moro falou para uma plateia formada por cerca de duas mil pessoas e foi interrompido várias vezes com aplausos. Também respondeu a algumas perguntas do público, mas não fez comentários de ações da Lava Jato que ainda não foram julgadas.
Seguindo o tema e o local da conferência, Moro falou aos empresários que a principal atitude que eles podem adotar contra a corrupção é "não pagar propina pura e simplesmente". E citou o exemplo do empresário italiano Líbero Grassi, assassinado em 1991, após denunciar o esquema de cobrança de propina e extorsão da Máfia Siciliana. Grassi virou símbolo do combate à corrupção e após sua morte, em Palermo, empresários da cidade organizaram associações que se declaravam contra o pagamento de "pizzo" (propina). "Talvez, a gente precise de iniciativas similares", comentou. E aconselhou às empresas adotarem controles internos, prevendo punição a subordinados e dirigentes que se envolvam nesse tipo de crime. Também sugeriu que as empresas se inspirem em boa práticas internacionais, como fazer rodízio de empresas de auditoria e contadores. E citou o recente exemplo da Volkswagen, denunciada nos Estados Unidos por fraude nos automóveis a diesel para esconder que as emissões reais eram várias vezes maior que os limites permitidos. "O que fez a Volkswagen? Veio a público e reconheceu a falta. O erro principal é a insistência em negar o problema e fechar os olhos", frisou.
Crise econômica
Para Moro, o atual quadro econômico brasileiro é "desalentador" e ele rebateu as acusações de que a Lava Jato ajudou a complicar a crise econômica brasileira pois estaria ajudando a prejudicar os investimentos no Brasil. Ele lembrou o caso da construção da Refinaria de Abreu e Lima, da Petrobras, em Pernambuco, que teve o seu primeiro orçamento, em 2005, avaliado em US$ 2,4 bilhões. O último orçamento, em 2015, saltou para US$ 18 bilhões. "Ou seja, depois se critica a Lava Jato dizendo que prejudicou os investimentos no País. Mas esse investimento? Será que vale a pena esse tipo de investimento?", questionou.
O juiz lembrou que corrupção existe em todos os países, mas no caso do Brasil, há um quadro de corrupção sistêmica. "Esse quadro de corrupção sistêmica é muito preocupante porque a corrupção isolada é mais fácil das nossas instituições tratarem dela, identificarem os responsáveis, punirem esses responsáveis. Agora, o quadro de corrupção sistêmica representa um verdadeiro desafio às nossas instituições", analisou. Ele explicou que o custo desse tipo de corrupção não se limita ao valor da propina, que acaba embutido no contrato e quem paga é o contribuinte. "O problema é que muitas decisões estratégicas da empresa podem ter sido tomadas levando em conta os interesses do corruptor", advertiu Moro. Além do fato do dinheiro ir parar nas mãos de políticos e para financiamento de campanhas eleitorais.
"Mas existe um custo maior. Porque esse tipo de quadro nos envergonha como país e como indivíduos. É isso o que muitas vezes faz com que o brasileiro vá lá fora e seja visto como uma pessoa desonesta. É isso muitas vezes que faz com que o investidor externo não queira vir para o Brasil", afirmou Moro. Na opinião dele, a corrupção afeta o mercado de maneira significativa, afugentando investidores e competidores internos. "A corrupção sistêmica tem impacto para o nosso desenvolvimento econômico, no bem-estar geral das pessoas", frisou, comentando ainda que prejudica a autoestima do brasileiro. "Nós queremos sair por aí dizendo que temos orgulho. Sem ter esses cadáveres no armário. Dizer que somos gente honesta", comentou.
Segundo Moro, no caso da corrupção sistêmica, há duas alternativas: "Nós podemos fazer como muitos querem, varrer isso para debaixo do tapete e esquecermos que temos esse problema. Ou enfrentá-lo com as nossas instituições, com a opinião pública, com o apoio popular, com a participação dos senhores e das senhoras", disse. E afirmou que varrer para debaixo do tapete não é uma alternativa nem econômica, nem moralmente aceita porque o problema vai aumentar.