O ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), condenado a 10 anos e 10 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha no processo do mensalão, quer o afastamento de seu algoz, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), da relatoria dos autos da ação penal 470 e sua redistribuição para outro ministro da Corte.
Em recurso de embargos de declaração, protocolado no STF na tarde desta quarta feira, 1.º de maio, a defesa de Dirceu parte para sua estratégia mais ousada e agressiva desde que o processo começou a ser julgado, em agosto de 2012. A defesa pede a reforma do acórdão do Mensalão, atribuindo ao relator Barbosa, hoje presidente do STF, "contradições, omissões e supressões inadmissíveis".
"A supressão das manifestações dos ministros prejudicou imensamente a compreensão do acórdão, inviabilizando a plena ciência da fundamentação adotada pelos julgadores da causa", afirma a defesa, subscrita pelos criminalistas José Luís Oliveira Lima, Rodrigo Dall'Acqua e Ana Carolina Piovesana.
A defesa pede a redução da pena-base pelo crime de formação de quadrilha imposta a Dirceu sob argumento de que é contraditória e ilegal. Alega a defesa "grave prejuízo causado pelas supressões". "O acórdão foi contraditório ao exacerbar a pena duas vezes pelo mesmo fundamento. Tal contradição é inadmissível e viola entendimento do Supremo Tribunal Federal."
A defesa também atribui a Barbosa contradição na fixação da pena a Dirceu pelo crime de corrupção ativa.
Dirceu pede que sejam concedidos efeitos infringentes aos embargos de declaração, com "a consequente e necessária redução da pena base".
O recurso coloca como "questão preliminar" o deslocamento da relatoria. "Considerando que o ministro relator assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal estes embargos de declaração devem ser redistribuídos para outro ministro, conforme interpretação dos artigos 38 e 75 do Regimento Interno do STF."
A defesa argumenta que "o acórdão não conteve a transcrição, na integra, das manifestações de todos os ministros, posto que houve supressão de diversas falas proferidas durante o debate da causa".
No recurso de 46 páginas, a defesa cita que houve supressão da fala, por exemplo, dos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
"Com o resultado das indevidas supressões o acórdão contém diálogos em que se conhece apenas a manifestação de um dos interlocutores", ataca Dirceu. "Muito além da ofensa ao Regimento Interno dessa Corte Suprema a supressão das manifestações dos ministros fere o princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Os debates, quando tratam de questões fáticas ou jurídicas do caso em julgamento, integram a fundamentação dos julgadores. Fundamentam a decisão final tanto quanto os votos escritos."
A defesa do ex-ministro é categórica. "O cancelamento das manifestações dos ministros impede a plena publicidade de todos os fundamentos que sustentaram o acórdão e atenta contra o artigo 93, inciso IX, da Constituição. Requer-se que seja sanada a omissão apontada, publicando-se as transcrições das manifestações dos ministros que foram indevidamente canceladas."
Em outro capítulo dos embargos de declaração, os criminalistas que defendem José Dirceu apontam a "existência de contradição na fixação da pena do crime de formação de quadrilha pela valoração de um único fato em duplicidade".
Segundo a defesa, o voto de Barbosa "valorou a culpabilidade (de Dirceu) como ‘extremamente elevada’".
"O voto (do relator) baseou-se na alegação de que o embargante (Dirceu) ‘valeu-se das suas posições de mando e proeminência tanto no Partido dos Trabalhadores quanto no governo federal, no qual ocupava o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República’".
"O voto vencedor sustentou que José Dirceu comandava os correus, que o procuravam em busca de seu ‘de acordo’", anota a defesa. "Ocorre que, em sequência, o voto do relator incorreu em patente contradição no momento em que aumentou a pena no patamar de um sexto, pelo fato de José Dirceu ter ocupado papel proeminente na quadrilha. Além de contrariar a jurisprudência da Corte Suprema, o uso de uma mesma circunstância para majorar a pena em fases distintas da dosimetria também é considerado uma ofensa ao princípio do non bis in idem."
"Restou claro que o voto que aplicou a pena pelo crime de formação de quadrilha incorreu em contradição ao valorar a mesma circunstância em duas oportunidades, em manifesto bis in idem, contrariando frontalmente a unânime jurisprudência dos tribunais e da Suprema Corte", atesta a defesa. "A correção se faz perfeitamente cabível pela via dos embargos de declaração. Há evidente contradição na valoração em duplicidade de uma única circunstância, pois, de forma ilógica, um único fato é considerado como se constituísse dois episódios distintos. O reconhecimento dessa contradição implica necessariamente na redução da pena base."
A defesa ataca outro trecho do voto de Barbosa, com relação ao crime de corrupção ativa. "Valorou negativamente a culpabilidade de José Dirceu sob o argumento de ter ele promovido e organizado os crimes de corrupção ativa."
Os criminalistas usam como amparo para suas argumentações julgamentos anteriores da corte, inclusive sob relatoria do próprio Joaquim Barbosa – habeas corpus 94.692, de 14 de setembro de 2010. "Definitivamente, a Corte não permite o bis in idem na fixação da pena. O repúdio é absoluto", alerta a defesa.
À página 22 do recurso, a defesa aponta a "existência de omissão na fixação da pena pela ausência de análise de elementos concretos sobre a conduta social e personalidade de José Dirceu".
Em seu voto, o relator afirmou que "não há registros de maus antecedentes contra José Dirceu, nem dados concretos acerca da sua conduta social e personalidade".
Para a defesa, Barbosa "incorreu em omissão" ao proclamar que não há nos autos dados concretos sobre a conduta social e personalidade do ex-ministro da Casa Civil. "Consta dos autos que José Dirceu dedicou sua vida à luta do povo brasileiro em defesa da democracia, defesa da liberdade, pagou preço alto por isso, foi prezo, exilado", assevera a defesa, em alusão ao depoimento do ministro Aldo Rebelo (PC do B), dos Esportes.
A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) declarou, no processo do Mensalão, que Dirceu é "reconhecido como um dos parlamentares mais eficientes e comprometidos" do País.
"Independente de qualquer valoração político ou ideológica salta aos olhos que o voto do relator foi omisso", acusam os criminalistas Oliveira Lima, Dall’Acqua e Piovesana. "Tanto a conduta social quanto a personalidade (do réu) integram o rol das circunstâncias judiciais subjetivas e a omissão da análise desses dados concretos ofende o princípio constitucional da individualização da pena."
À página 32 do recurso, a defesa aponta "erro material que gerou relevante contradição com graves consequências para o julgamento".
O erro, sustenta a defesa, consiste na apresentação de datas diferentes para a morte do deputado José Carlos Martinez , ocorrida em 3 de outubro de 2003 – o relator, porém, anota que Martinez morreu em dezembro de 2003. A defesa exige a correção porque a partir de novembro de 2003 entrou em vigora Lei 10.763, que acrescentou artigo ao Código Penal e modificou a pena cominada aos crimes de corrupção ativa e passiva.
"Assim, era extremamente relevante a informação sobre a data em que teria sido oferecida a vantagem financeira ao acusado Roberto Jefferson (delator do Mensalão), para definição acerca da incidência da lei penal mais grave, 10.763", atacam os criminalistas. "A informação equivocada e contraditória prejudicou seriamente uma questão relevante do julgamento, interferindo danosamente na compreensão dos ministros acerca de um crucial tema fático jurídico."
Segundo a defesa. "O ministro Luiz Fux entendeu que o falecimento de Martinez teria ocorrido em dezembro de 2003 x , depois da entrada em vigor da Lei 10.763. Partido dessa equivocada premissa dirigiu-se ao relator e deu por encerrado o debate sobre a aplicação da lei penal mais grave."