O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou sua participação na reunião do diretório nacional do PT, ontem, em Belo Horizonte, para defender o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, e, sem citar nomes, afirmar que há uma intenção de impedir que a presidente Dilma Rousseff conclua seu mandato.
Em discurso no ato de comemoração dos 35 anos do partido, porém, deu uma indireta no PSDB ao declarar que os adversários "não querem mais esperar outra derrota" e, "na falta de votos, buscam atalhos para o poder, manipulando a opinião pública e constrangendo as instituições". A presidente, por sua vez, falou em "golpismo" dos "inconformados com o resultado das urnas".
"Não é fácil um partido de esquerda governar um país importante como o Brasil. Eles não querem nem deixar concluir o mandato da Dilma, tentando criar todo e qualquer processo de desconfiança. Querem que o PT seja desacreditado na sociedade brasileira", afirmou Lula, segundo a Agência PT de Notícias. "A quarta derrota eleitoral consecutiva despertou os mais baixos instintos dos nossos adversários", acrescentou ao discursar para uma plateia de cerca de dois mil militantes.
Dilma, que discursou logo após o antecessor, também apontou para setores que não aceitaram a derrota eleitoral. "Nós temos força para resistir ao oportunismo e ao golpismo inclusive quando ele se manifesta de forma dissimulada. Os que são inconformados com o resultado das urnas só têm medo de uma coisa: da mobilização da sociedade em defesa das instituições e em repúdio a qualquer tentativa de golpe contra a manifesta vontade popular."
Os dois principais expoentes petistas reforçaram a tese de golpe por causa da condução coercitiva de Vaccari, que na quinta-feira foi levado à Polícia Federal para prestar depoimento no âmbito da Lava Jato por ordem da Justiça. Ele também participou do evento ontem.
O tesoureiro é investigado por suspeitas de intermediar a arrecadação de propinas ao PT por meio de um esquema de corrupção e de cartel na Petrobrás. "O que aconteceu ontem (anteontem) é repugnante", afirmou Lula, conclamando o PT a "voltar pra luta". "Não podemos permitir que quem não tem moral venha dar moral na gente."
Mensalão
Lula, segundo relatos colhidos pelo Estado, comparou as denúncias investigadas pela Lava Jato ao mensalão. "Se a ficarmos quietos, a sentença já está dada." Para o ex-presidente, há uma tentativa de "criminalizar" a legenda. De acordo com participantes da reunião, fechada à imprensa, ele disse que o partido precisa reagir, sob o risco de o Judiciário "julgar (os crimes investigados pela Lava Jato) pela pressão que se cria na sociedade e não pela lei".
Na reunião, Lula defendeu o sistema de arrecadação de recursos para o partido e atacou o ex-gerente da Petrobrás Pedro Barusco - delator que citou Vaccari -, a quem se referiu como "bandido". E voltou a reclamar da cobertura feita pela imprensa sobre a Lava Jato. Segundo ele, embora Barusco tenha admitido que o esquema de propinas na estatal começou em 1997, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), apenas os casos envolvendo gestões petistas foram destacados.
Um informe elaborado por Vaccari foi apresentado durante o encontro. No texto, ele falou sobre as finanças do partido e estimou que a legenda vai perder R$ 10 milhões ao ano em receita por causa da diminuição da fatia do Fundo Partidário a que a sigla tem direito. A previsão de queda do recurso, repassado pela União a todas os partidos, é menor em razão da diminuição da bancada na Câmara e do aumento do número de partidos no País.
A economia inclusive começou nos festejos de 35 anos do partido, já que alguns dirigentes viajaram de carro para Belo Horizonte porque a legenda alegou não ter dinheiro para pagar passagens aéreas.
Ajuste
Lula e Dilma aproveitaram seus discursos para dar satisfação à militância a respeito das ações adotadas nos primeiros dias do novo mandato que contrariaram principalmente o setor sindical do partido e movimento sociais. "Não fazemos reequilíbrio fiscal só por fazer. Fazemos reequilíbrio para manter o nível de emprego e renda", afirmou a presidente.
Já Lula fez uma comparação com o tratamento de um câncer pelo qual passou para defender medidas "duras" e "amargas" que, de acordo com ele, são necessárias para "garantir avanços". Ao citar as sessões de quimioterapia e radioterapia a que teve de se submeter, disse que não houve "nada pior" na vida. "Mas eu era disciplinado e precisava para estar aqui bonitão", brincou.
Em meio a boatos de dificuldade de relação, Lula e Dilma conversaram bastante antes do evento. A presidente e o antecessor, no entanto, não tiveram nenhuma reunião privada e estiveram sempre acompanhados pelo ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica ou por outros participantes da cerimônia.