A defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) pediu à Justiça Federal que determine à Receita Federal e ao Serpro que disponibilizem o resultado da devassa feita nos sistemas do fisco para identificar acessos aos dados fiscais do filho do presidente Jair Bolsonaro.
Os advogados do senador ingressaram com um habeas data, instrumento jurídico de uso raro que tem como objetivo assegurar a um cidadão acesso a dados e informações pessoais sob a guarda do Estado.
O instrumento foi usado por perseguidos políticos na ditadura militar (1964-1985) a fim de obter, após a redemocratização, as informações produzidas sobre eles durante o regime.
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Como o jornal Folha de S.Paulo revelou, a Receita fez uma devassa para tentar identificar investigações em dados fiscais do presidente Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres, da primeira-dama, Michelle, e de Fabrício Queiroz, suposto operador financeiro de Flávio.
O levantamento foi muito mais amplo do que apontado meses atrás como um movimento apenas da defesa de Flávio contra a investigação da suposta "rachadinha" tocada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Atingiu, na verdade, todo o entorno familiar do presidente, incluindo suas duas ex-mulheres com quem dividiu seu patrimônio e que não são alvo da investigação contra Flávio. O rastreamento abrangeu 22 sistemas de dados da Receita no período de janeiro de 2015 a setembro de 2020.
Os advogados dizem que não solicitaram a realização das demais pesquisas no entorno do presidente. A Receita não informou o responsável pela solicitação da devassa.
A defesa de Flávio afirma também que não recebeu o resultado da apuração especial sobre o senador e sua esposa, Fernanda, e recorreu à Justiça para obtê-los.
Os alvos do habeas data são o coordenador-geral de Tecnologia e Segurança da Informação da Receita, Juliano Neves, e o presidente do Serpro, Gileno Gurjão Barreto.
Ao negar oficialmente o acesso ao resultado da pesquisa, a Receita afirmou aos advogados do senador que os "logs" são sigilosos e não podem ser fornecidos com base na Lei de Acesso à Informação.
"Revelar os logs de acesso a determinada declaração ou dado fiscal, ou para que fim foi acessado, ou quem o acessou, sem motivação contundente, é revelar as ações da Administração Tributária no desempenho de suas funções legais, bem como a própria informação protegida por sigilo fiscal."
A Receita também menciona parecer da CGU (Controladoria-Geral da União) que aponta risco de assédio sobre os auditores fiscais caso as informações dos "logs" fossem reveladas.
"Os servidores estariam expostos à cooptação criminosa de pessoas físicas e jurídicas, visando à obtenção de informações pertinentes não somente à sua situação fiscal e tributária própria e de terceiros, mas de eventuais procedimentos investigativos em curso na RFB", afirma o parecer.
A Receita não explicou, contudo, a razão do pedido de apuração especial sobre os nove CPFs de pessoas no entorno do presidente.
A apuração especial é um meio pelo qual se obtém todo e qualquer "log", como são chamados os arquivos sobre as consultas aos sistemas do Fisco.
Os "logs" indicam a data e o nome do auditor responsável pela consulta aos dados fiscais dos contribuintes. Caso não haja justificativa para a atuação, o servidor pode ser punido pelo acesso imotivado.
O resultado da apuração especial, porém, também permite identificar investigações legais ainda em sigilo contra o dono do CPF analisado.
A mobilização da estrutura do governo em favor de Flávio foi revelada em outubro pela revista Época. Na ocasião, soube-se que as advogadas do senador recorreram à Receita e ao Serpro para tentar descobrir em que momentos os dados fiscais de Flávio e de sua mulher foram acessados.
O motivo manifestado pela defesa era o de que o relatório do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) que originou a investigação da "rachadinha" continha informações com detalhes cuja origem não eram os bancos, com os quais o órgão troca informações. Os dados viriam, na verdade, da Receita.
A suspeita da equipe de Flávio era que ele tenha sido alvo de prática semelhante à revelada por mensagens obtidas pelo Intercept Brasil, na qual dados fiscais sigilosos eram obtidos informalmente por procuradores da Operação Lava Jato.
A prática é conhecida como "fishing expedition", no qual investigadores acessam dados fisciais de uma pessoa sem justificativa legal em busca de possíveis irregularidades