Pelos menos 11 funcionários do 9º distrito do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), no Paraná, estão respondendo a inquérito administrativo sob a suspeita de participarem de esquema de antecipação de pagamento de precatórios (créditos garantidos por sentença judicial). Eles são citados no relatório de correição (espécie de auditoria) feita pela Advocacia Geral da União (AGU) no DNER do Paraná entre novembro e dezembro do ano passado. As principais suspeitas são de irregularidades no pagamento de precatórios e acordos para liquidação extra-judicial de dívidas por desapropriações de áreas.
Negociações envolvendo terrenos do Contorno Leste e Via Metropolitana, obras em andamento e em estudo, respectivamente, ambas localizadas em Curitiba, estão entre as suspeitas de irregularidades. A Advocacia Geral da União assumiu as funções da Procuradoria do DNER para poder investigar os casos. Na direção regional do órgão e na direção nacional em Brasília ninguém quer falar oficialmente sobre o assunto.
Um dos funcionários mais citados no relatório da correição da Advocacia Geral é o ex-procurador chefe do DNER no Paraná José Antunes Moreira. Atualmente, Moreira é procurador do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) no Estado. Em entrevista à Folha, Moreira afirmou desconhecer o documento e as citações. ""Não sei por que estou sendo citado, mas prestarei todas as informações que tiver para qualquer sindicância."" Segundo José Moreira, todos os acordos eram feitos pela Procuradoria Geral do DNER, com sede em Brasília.
""O que eu fazia era repassar os processos para Brasília, o que é meu dever de ofício."" José Moreira diz que pediu para ser transferido para o INSS antes do início da correição. ""Minha saída do DNER não tem nenhuma ligação com essas investigações, foi voluntária"", complementou.
Os acordos administrativos para pagamento por desapropriações são previstos em lei, desde que gerem economia para o DNER. A legislação determina que os acordos só podem ser aceitos feitos quando os donos dos terrenos aceitarem descontos que variem entre 10% e 15%. O que aconteceu no Paraná nos últimos anos foi um crescimento do número de ações extintas em função desses acordos administrativos. Em vários, o DNER chegou a pagar valores maiores que os discutidos em juízo.
É o caso, por exemplo da desapropriação de uma parte da Fazenda Itaqui, no município de Piraquara, região metropolitana, para a construção do Contorno Leste, consta no relatório. A área desapropriada é de 135.438 metros quadrados e tinha dois proprietários. Um deles não aceitou fazer acordo com o DNER e continua discutindo os valores na Justiça. O outro resolveu fazer acordo administrativo.
A perícia técnica constatou que o valor devido a este proprietário era de R$ 164.188,00. O acordo previa um desconto de 5%. Com isso, o pagamento deveria ser de 150.978,78. Ao invés disso, o DNER pagou R$ 250.978,78 ao proprietário, depois de uma atualização dos valores apresentada pelo próprio dono da área. No relatório da Advocacia Geral é destacado ainda que ""os órgãos jurídicos do DNER não emitiram pronunciamentos técnico-jurídicos, que dessem embasamento legal ao ajuste, mas simplesmente se puseram de acordo com a proposta, por simples despacho.""
Em setembro de 1998, o então procurador chefe José Antunes Moreira informou à Justiça que o DNER havia pago a dívida administrativamente e por isso solicitava que fosse extinta a execução do processo.
Em outra ação os procuradores da Advocacia Geral encontraram diferenças ainda maiores entre valores devidos por precatórios e pagos em acordo administrativo. Nesse caso, o DNER do Paraná pagou administrativamente a uma madeireira do Oeste do Estado o valor de R$ 6.340.607,44 pela desapropriação de áreas das fazendas São Domingos e Andrana, em Guaraniaçu.
Pelos cálculos dos advogados da madeireira, as áreas valeriam R$ 8.592.723,22. A Procuradoria Regional do DNER informou que os proprietários aceitariam fazer acordo administrativo com desconto de R$ 1.152.116,28, e que isso geraria uma dívida final de R$ 6.340.607,44. O curioso é que a subtração do desconto em relação ao valor total resulta em R$ 7.440.606,94. Os procuradores da Advocacia Geral destacam que ""aqui, a matemática foge à lógica e surge um enigma contábil, o importante é que nem a autora nem o DNER juntaram memória de cálculo demonstrando como chegaram a tais valores"", diz.
O surpreendente é que um parecer da Assessoria Técnica da Procuradoria da União do Paraná, de dezembro do ano passado, constatou que o débito do DNER corrigido até aquela data chegaria a R$ 2.424.576,28, muito abaixo dos R$ 6.340.607,44 pagos pelo órgão.
Existem dezenas de outros processos que estão sob investigação da Advocacia Geral da União. A comissão da Advocacia Geral que investiga responsáveis por possíveis desvios ainda está ouvindo os suspeitos. Esse trabalho faz parte das investigações nacionais que a Advocacia Geral vem fazendo no DNER e que já resultaram no afastamento de dois procuradores-gerais e de diretores do Departamento em Brasília.