Política

Discussão entre Ciro Gomes e Dilma Rousseff amplia desavença na esquerda

14 out 2021 às 08:45

Uma discussão entre o presidenciável Ciro Gomes (PDT) e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), nesta quarta-feira (13), ampliou a desavença entre petistas e ciristas, impondo um novo desafio para a formação de uma frente ampla pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido).


Longe de alcançar amplos setores do centro ou da direita, o movimento pelo "Fora, Bolsonaro" revelou fragilidade na união da própria esquerda no último dia 2, quando Ciro foi vaiado na manifestação em São Paulo por apoiadores do ex-presidente Lula (PT).


Na ocasião, Ciro disse não dar importância ao episódio e propôs uma trégua com o PT ao redor do tema impeachment, mas as farpas trocadas nesta quarta voltaram a opor alas da esquerda.


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Enquanto articuladores do impeachment e mesmo membros do PT e do PDT minimizaram os efeitos do bate-boca na formação de uma frente ampla, o racha foi amplificado por apoiadores de cada um dos lados nas redes sociais.


Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo nesta quarta, Ciro fez duras críticas ao PT e responsabilizou Lula e Dilma pela eleição de Bolsonaro –inaugurando um novo capítulo na história recente de afastamento entre Lula e o pedetista.


"Hoje eu estou seguro que o Lula conspirou pelo impeachment da Dilma", disse Ciro. "Eu atuei contra o impeachment e quem fez o golpe foi o Senado Federal. Quem presidiu o Senado? Renan Calheiros. Quem liderou o MDB nessa investida? O Eunício Oliveira. Com quem o Lula está hoje?", questionou, mencionando interlocutores do petista.


As falas vêm após a proposta de Ciro de "uma trégua de Natal". Depois de ter sido vaiado e alvo de pedaços de pau na manifestação, o pedetista declarou à imprensa que era preciso acalmar os ânimos das militâncias e promover entendimento em torno do impeachment de Bolsonaro.


Na última sexta (8), Lula já havia afirmado que não responderia a críticas feitas pelo ex-aliado. O ex-presidente não respondeu ao novo ataque, mas Dilma travou uma discussão com Ciro no Twitter.


"Ciro Gomes está tentando de todas as formas reagir à sua baixa aprovação popular. Mais uma vez mente de maneira descarada, mergulhando no fundo do poço. O problema, para ele, é que usa este método há muito tempo e continua há quase uma década com apenas um dígito nas pesquisas", disse a ex-presidente.


"Na vida nunca menti. Mas errei algumas vezes. Uma delas quando lutei contra o impeachment de uma das pessoas mais incompetentes, inapetentes e presunçosas que já passaram pela presidência. Claro, que estou falando de você, Dilma", respondeu Ciro.


O pedetista tuitou ainda que Lula foi um dos maiores responsáveis pela desestabilização de Dilma e que os dois "se merecem".


Dilma voltou a tuitar, afirmando que Ciro tem "enorme presunção" e que sua visão é "misógina".


"Para além disso, Ciro sistematicamente distorce os fatos. E, nisso, não se difere em nada de Bolsonaro. Ambos adoram quando os alvos de suas agressões reagem. Precisam disso para obter likes e espaço na mídia. [...] Lamento ter, em algum momento, dado a Ciro Gomes a minha amizade", publicou a ex-presidente.


Nesta quarta, petistas buscaram evitar dar eco às falas de Ciro. "O povo brasileiro sofre com desemprego, carestia, pandemia, pobreza e fome. [...] O Brasil não tem tempo para as grosserias delirantes de Ciro, que só é notícia ofendendo Lula e Dilma. O povo espera muito de nós", tuitou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.


O secretário de comunicação do partido, Jilmar Tatto, foi na mesma linha. À reportagem Tatto disse que Ciro busca "aparecer no jornal com frases de efeito" e "não merece resposta". O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou à reportagem que não iria "repercutir essa loucura".


Jean Wyllys (PT) afirmou que Ciro é uma "triste figura obcecado com seu projeto pessoal de poder" e que deve ser ignorado ao máximo. O ex-deputado publicou ainda que a "milícia digital" de Ciro é, assim como ele, "antipetista de ocasião, oportunista, violenta, machista e... burra!".


Tatto, no entanto, afirmou que a postura de Ciro é "indiferente" para as próximas mobilizações contra Bolsonaro. Partidos e entidades discutem uma eventual nova manifestação conjunta pelo impeachment em 15 ou 20 de novembro.


"O PT segue com o 'Fora, Bolsonaro' como palavra de ordem. E a frente ampla depende do diálogo entre os partidos, o que está em andamento", disse. Questionado sobre a presença de Ciro em novas manifestações, Tatto afirmou que "não faz diferença, as pessoas ignoram ele, mas é bom que vá para mostrar unidade".


Aliados de Ciro pregaram separação entre as falas do pedetista nesta quarta e a luta pelo impeachment.

"Cada coisa é uma coisa. No impeachment, temos que unificar todos contra Bolsonaro. Mas não vamos abrir mão de ter nosso candidato e o PT também não [abre mão]. Debate e divergência vamos ter sempre", afirmou Carlos Lupi, presidente do PDT.


O dirigente afirmou que ele e Ciro estarão em todas as manifestações em que forem convidados e que essa nova briga "não muda nada". Questionado a respeito de Ciro ter feito críticas ao PT apesar da trégua, Lupi disse que o pedetista "nunca falou em parar de fazer críticas, mas numa trégua de agressão, para evitar agressão física".


"Durante o impeachment não tem briga, queremos tirar o Bolsonaro. Vamos continuar. Achamos que, no terreno do impeachment, temos unidade plena, não temos diferença", afirma o presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e do PDT em São Paulo, Antonio Neto.


Neto afirma que o PT trabalha para que Ciro não cresça nas pesquisas e não demonstrou compromisso com a frente ampla, pois houve vaias de apoiadores de Lula e desrespeito a pessoas que têm voto no Congresso e, portanto, são importantes para o impeachment.


Organizadores dos protestos contra Bolsonaro também minimizaram a discussão entre Ciro e Dilma, mas veem o episódio como um sinal das dificuldades de promover a frente ampla, especialmente após a frustração nos atos de 2 de outubro. Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a ideia era que o protesto tivesse mais amplitude ideológica, com representantes do centro e da direita, o que não ocorreu.


Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, ligada ao PT, vê entraves maiores para a continuidade da mobilização pelo "Fora, Bolsonaro" do que a rivalidade entre Lula e Ciro. Para ele, esquerda e direita cada vez mais veem o impeachment como inviável politicamente e passam a centrar esforços em derrotar Bolsonaro nas urnas.


A carta de paz de Bolsonaro após o 7 de Setembro e a proximidade do fim de ano também são fatores que, na avaliação de Bonfim, "impedem uma ampliação maior nas mobilizações de rua".


"No dia 2, concretamente não teve ampliação, quem sustentou foi a esquerda", diz ele, ressaltando que isso murchou o clima para os próximos atos.


Ainda assim, Bonfim classifica a postura de Ciro como lamentável. "Ele foi acolhido pela maioria das entidades e das organizações. Foi uma minoria que vaiou. Não caberia ele falar no palco de 'fascismo de vermelho'. Quem quer aliança a partir do impeachment não pode a todo momento estar criando situação. A mesma pessoa que pede uma trégua, sem o outro provocar, sai atirando", resume.


Josué Rocha (PSOL), coordenador da Frente Povo Sem Medo e do MTST, diz acreditar na continuidade das ações pelo impeachment e na ampliação da pressão pela saída de Bolsonaro apesar da falta de entendimento na esquerda.


O ativista diz não temer agressões e brigas em novas manifestações porque "os posicionamentos do Ciro já são conhecidos".


"A construção da unidade pelo 'Fora, Bolsonaro' tem que estar acima das diferenças partidárias e eleitorais. Todos os partidos e movimentos são convidados. A gente discorda de qualquer ato de hostilização, os participantes têm que ter seu posicionamento respeitado", completa.

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