A rejeição de setores da sociedade ao governo Bolsonaro tem se refletido no número de pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados: em média, cidadãos brasileiros protocolaram um processo contra o presidente a cada 11 dias.
Foram 68 desde que Bolsonaro tomou posse até a primeira semana de fevereiro. São de uma maneira geral pedidos independentes, apresentados em momentos distintos e por motivações diversas, mas nada que aponte para uma grande articulação contra Bolsonaro.
Se por um lado essa situação reflete um descontentamento mais generalizado, por outro, essa pulverização pode ser um fator contra o crescimento da pressão contra o governo.
Nas últimas semanas, houve intensificação nos debates a respeito de um impedimento, principalmente por causa do repique da Covid-19, do colapso da saúde em Manaus e do atraso do Brasil na vacinação.
Chegou-se a cogitar que o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) abriria o processo em seus últimos dias à frente da Casa.
Os pedidos de impeachment foram escritos e protocolados por pessoas das mais diversas regiões. Há juristas conhecidos, como a ex-vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat.
Dois detentos do estado de São Paulo enviaram seus pedidos por cartas. Um deles já inclusive havia pedido impeachment de Dilma Rousseff (PT).
No universo político, figura obviamente a oposição, mas também ex-aliados do governo, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP).
O ritmo de pedidos apresentados ganhou força em 2020. No ano anterior, haviam sido cinco, sendo que o primeiro, protocolado em 5 de fevereiro, foi arquivado por Maia.
O restante teve como destino a gaveta do deputado –e agora do novo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL)–, formalmente classificados como "em análise".
As denúncias do primeiro ano foram motivadas por episódios controversos, como o fato de o presidente ter compartilhado em uma rede social vídeo em que um homem urina em outro em um bloco de Carnaval, em prática conhecida como "golden shower".
Em 2020, o número de pedidos explodiu: foram 54 –quatro arquivados.
Alguns tiveram os mesmos autores, como o militar aposentado João Carlos Moreira, que protocolou dois. Um deles, de fevereiro do ano passado, tinha como pano de fundo as investigações envolvendo a morte da vereadora Marielle Franco e supostas interferências no caso.
O outro, em março, cita declarações contra a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, e até o episódio envolvendo o transporte de 39 quilos de cocaína em um avião presidencial.
Bolsonaro ainda motivou pedidos por ter incentivado atos pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, por ter declarado que as eleições foram fraudadas e por ataques à imprensa.
Boa parte das ações tem relação com ações e omissões de Bolsonaro no combate à pandemia do novo coronavírus.
O advogado Adriano Oliveira da Luz, de Cachoeirinha (RS), usava suas redes sociais para defender o presidente. Decepcionou-se durante a pandemia e por isso decidiu ingressar com pedidos.
"Antes era o PT que era uma seita, que não se podia falar mal do Lula. Mas a mesma coisa está acontecendo com eleitores do Bolsonaro", afirma.
Em 2021, já há nove pedidos aguardando análise do novo presidente da Câmara, mas sem sinalização de que o destino será diferente dos demais.
"Com esse Congresso nas mãos do centrão e ainda a indicação da lambe-botas Bia Kicis para a CCJ [Comissão de Constituição e Justiça], creio que as chances do presidente sair antes de 2022 diminuíram muito", diz o cineasta Fernando Meirelles.
Ele integra a Coalizão Negra por Direitos, que ingressou com um pedido em agosto, com base, entre outros motivos, nos ataques de Bolsonaro às instituições democráticas e nas omissões na pandemia.
Pela lei, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido.