No dia em que o ministro Joaquim Barbosa se tornou o primeiro negro a assumir a Presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), a mais alta corte do país ganhou ares de uma grande festa de premiação de artistas.
Na Praça dos Três Poderes, os cerca de 2 mil convidados percorriam um tapete vermelho até o tribunal. No caminho, num eco da cerimônia de entrega do Oscar, famosos eram interpelados por emissoras de rádio e TV que transmitiam ao vivo flashes do evento.
"(A ascensão de um negro à Presidência do STF) Já devia ter acontecido há muitos anos e finalmente aconteceu", disse o cantor Martinho da Vila, um dos vários artistas negros na cerimônia, como Djavan, Lázaro Ramos e Milton Gonçalves.
Também estavam presentes representantes do movimento negro e autoridades como a presidente Dilma Rousseff, ministros de Estado, militares de alta patente, governadores e congressistas.
"Eu, também como negro, fico feliz de saber que temos uma pessoa competente trabalhadora, objetiva, honesta e séria, que vai assumir o maior cargo do país no Poder Judiciário", afirmou o deputado federal e ex-jogador Romário (PSB-RJ).
Atentos à grande movimentação de autoridades, candidatos aprovados mas não convocados em concurso da Polícia Federal protestavam em frente ao Supremo, defendendo seu ingresso na carreira. Eles dividiam o espaço com jovens que distribuíam aos convidados panfletos sobre novos empreendimentos imobiliários em áreas nobres de Brasília.
Casa cheia
Do lado de dentro do tribunal faltaram cadeiras para os convidados que não couberam no plenário, e que acompanharam a cerimônia em telões.
Barbosa recebeu cumprimentos do colega Luiz Fux, do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. Depois disso, fez um discurso de 16 minutos.
Em sua fala, pausada e tranquila, o ministro afirmou que a Justiça trata os brasileiros de forma desigual. "É preciso ter a honestidade intelectual para reconhecer que há um grande deficit de Justiça entre nós. O que se vê aqui e acolá é o tratamento privilegiado".
O ministro também condenou os magistrados que, em nome de promoções, valem-se de laços com políticos. "Nada justifica a pouca edificante busca de apoio para uma singela promoção do primeiro para o segundo grau de jurisdição".
Por fim, agradeceu aos familiares presentes, entre os quais sua mãe, seu filho e irmãos, e a ex-colegas de academia que vieram da França, Estados Unidos e Alemanha para o evento.
Após a cerimônia, boa parte dos convidados rumou para um coquetel num buffet às margens do lago Paranoá.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nomeou Barbosa ao Supremo em 2003, foi convidado mas não compareceu ao evento, alegando compromisso previamente agendado. Lula está na Índia, onde recebeu nesta quinta-feira o prêmio Indira Gandhi.
Semanas antes do evento, porém, a presença do ex-presidente era tida como incerta, em virtude da posição de Barbosa no julgamento do mensalão. O ministro é o relator da ação penal, em que defendeu a tese de que, entre 2003 e 2005, o governo Lula desviou recursos públicos para comprar apoio político.
A postura de Barbosa no julgamento lhe rendeu fama no Brasil e no exterior e foi acompanhada pela maioria dos ministros. Ao todo, 25 dos 37 réus foram julgados culpados pela corte, entre os quais o ex-ministro José Dirceu.
A grandiosidade da posse de Barbosa no Supremo, atribuída ao fato de ele ser o primeiro negro a assumir a Presidência do órgão, não tem precedentes no tribunal. Geralmente, as trocas no comando da corte ocorrem em cerimônias discretas.
Barbosa, de 58 anos, foi alçado ao comando da corte em votação simbólica. A tradição do Supremo recomenda que a Presidência seja exercida pelo ministro há mais tempo na casa e que ainda não a tenha ocupado.
Ele substitui o ministro Ayres Britto, que se aposentou na semana retrasada após completar 70 anos. Ficará no posto por dois anos.
Carreira internacional
Nascido em Paracatu (MG), Barbosa se formou em direito na Universidade de Brasília e fez mestrado e doutorado na Universidade de Paris-II.
É professor licenciado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de dois livros sobre direito - um sobre o funcionamento do Supremo, editado na França, e outro sobre o efeito de ações afirmativas nos Estados Unidos.