Política

Arcebispo critica padres na política

24 set 2001 às 11:18
No último dia 11 de agosto, ao completar 75 anos, o arcebispo de Curitiba, Pedro Antônio Marchetti Fedalto, enviou ao papa João Paulo II seu pedido de afastamento do cargo. A versão do Código de Direito Canônico aprovada no Concílio Vaticano 2º, em meados da década de 60, obriga todos os bispos a colocar seu cargo à disposição ao chegar àquela idade. Sua permanência como arcebispo de Curitiba pode durar ainda alguns meses.
O nome do sucessor no principal cargo da hierarquia católica no Paraná será definido pelo papa. Na entrevista que concedeu à Folha, na última quinta-feira, Dom Pedro evitou revelar predileção por algum colega. "Dizem por aí que o bispo que sai não faz sucessor", indica.
Nascido em Campo Largo (Região Metropolitana de Curitiba), ordenado padre em 1953, Dom Pedro comanda a Arquidiocese da Capital desde que foi nomeado arcebispo, em 1970, aos 44 anos. Nesses quase 31 anos, comandou um momento histórico: a única visita de um papa ao Paraná.
Folha - O Vaticano já deu uma resposta a seu pedido de afastamento?
Dom Pedro Fedalto - Não. Isso não vem já. Coloquei meu cargo à disposição do Santo Padre. Ele decidirá o que é melhor para a Igreja.
Folha - Há uma possibilidade de o senhor continuar sendo arcebispo?
Dom Pedro - Como bispo, eu continuarei até a morte. O que estou colocando à disposição é meu cargo de arcebispo. Se precisar fazer qualquer ato religioso como bispo, uma crisma, por exemplo, poderei fazer.
Folha - Quem deve ser seu sucessor? Comenta-se que Dom Murilo Krieger (bispo de Maringá) é um forte candidato.
Dom Pedro - Não sei. Dizem por aí que o bispo que sai não faz sucessor. Qualquer um que venha será bom. O Santo Padre vai saber escolher alguém que possa dirigir a arquidiocese.
Folha - Qual deve ser o papel do religioso. Ele deve se preocupar mais com o aspecto espiritual de seu rebanho ou se envolver nas questões sociais, econômicas e políticas?
Dom Pedro - O pastor deve ter o equilíbrio. De um lado, devemos estar com os mistérios da nossa fé e, de outro, estar atentos às necessidades do nosso povo. Por isso, a Igreja tem que estar sempre presente na realidade em que o povo vive. O ser humano tem direito a uma vida digna, com alimento, moradia, educação, saúde, salário justo. Tudo é política. Se você toma uma atitude, é política. Se não toma, também é política. A Igreja não tem uma função política. Nos documentos, está bem claro que a Igreja tem que fazer política com P maiúsculo, quem deve fazer a política partidária são os leigos. Cabe a eles todas as tarefas de ordem temporal. Mas a Igreja deve sempre apresentar os princípios na educação, na família, na economia. Ela tem como missão profética denunciar as injustiças e a corrupção.
Folha - Como o senhor vê a participação de religiosos na política partidária. No Paraná, o padre Adelino Gonçalves se elegeu prefeito de Mariluz (Noroeste do Estado) e acabou preso, acusado de ser mandante de um duplo assassinato.
Dom Pedro - A Igreja diz que a política é própria dos leigos. Pelo Código de Direito Canônico não é permitido que padres se candidatem. Sobretudo porque temos poucos padres. Os padres são aqueles que devem conservar a unidade. Queiramos ou não, uma vez que se candidata, ele não conserva a unidade, porque os partidos são uns contra os outros. Já tivemos religiosos que exerceram mandatos políticos muito bem. Mas, como princípio, a Igreja diz não. Esses que se candidataram no Paraná fizeram à revelia da hierarquia da Igreja.
Folha - Um dos movimentos políticos mais recentes do qual o senhor participou foi pela aprovação do projeto de lei de iniciativa popular que impedia a privatização da Copel. Mas, apesar de todo envolvimento da população e de entidades civis, o projeto foi rejeitado pelos deputados. Que conclusão o senhor tira desse episódio?
Dom Pedro - Decidi participar porque a Copel pertence ao povo, é lucrativa e, em tudo que se privatizou, os lucros ficaram na mão de poucos, que enriquecem mais. Por que o Estado não pode ter rendas para atender mais a eduçação, a saúde, a segurança, conservar as estradas? Veja o pedágio. Foi privatizado, com um valor altíssimo. Por que, com o dinheiro do pedágio, o governo não beneficia outras estradas, não só aqueles trechos privilegiados?
Folha - Na sua opinião, por que o projeto popular foi derrubado?
Dom Pedro - Vejo que esses deputados não corresponderam aos anseios do povo que os elegeu.
Folha - O governo agiu de forma ostensiva para derrubar o projeto. Houve até denúncias da liberação de verbas para cooptar os deputados.
Dom Pedro - Mas os deputados deviam ser mais sensíveis a essa reivindicação popular, a maior da história. Na última hora, para ganhar, o governo chamou o secretário (Nelson Justus, dos Transportes, também deputado, que estava licenciado do cargo). Onde fica o povo? Mas não ganhamos e precisamos respeitar. Na política, devemos respeitar. A democracia é o contraditório.
Folha - Como se comportou o rebanho católico no Estado nessas três décadas?
Dom Pedro - O povo católico melhorou muito em qualidade. Hoje temos uma pastoral familiar muito bem organizada, que prepara os noivos para o casamento e os pais e padrinhos para o batismo, uma catequese muito mais conscientizada, tanto para a primeira eucaristia como para a crisma. Temos 22 casas de formação para leigos, que estão sempre ocupadas. Temos o Instituto de Cultura Eclesial, que já formou mais de 3 mil líderes. Vejo que o povo, como qualidade, tem melhorado. Como quantidade, talvez tenha diminuído porque as seitas cresceram muito em Curitiba e na Região Metropolitana.
Folha - Um fenômeno que chegou a assustar a Igreja Católica foi exatamente o crescimento das igrejas pentecostais...
Dom Pedro - Sim. Isso foi bem nítido. Mas, dentro da liberdade de culto, devemos respeitar aqueles que aderem a outras igrejas cristãs ou outras religiões não-cristãs, como o judaísmo, o islamismo, o budismo.
Folha - Uma atitude sua recente -a expulsão do padre Roque Wendt, de Fazenda Rio Grande, cujas missas eram recheadas de exorcismos, supostos milagres e curas- indica que o senhor não vê com muita simpatia o movimento carismático.
Dom Pedro - Ao contrário. Estamos até fazendo um centro carismático no seminário do bairro do Orleans. O caso do Padre Roque não está dentro das diretrizes da Renovação Carismática da Igreja Católica e também do Documento 53 da CNBB, que dá orientações sobre isso. Se o Padre Roque se limitasse a rezar missas serenas... Mas ele conseguiu reunir um povo que vai lá para ter milagre todo dia. Milagre não acontece todo dia. É Deus quem faz milagres. O padre não está obedecendo o que a Igreja estabelece. Proibiremos todas as missas carismáticas que venham transgredir as normas litúrgicas. Cada padre deve fazer sua celebração bem feita em sua paróquia e não atrair o povo de outras paróquias, que ia lá (em Fazenda Rio Grande) de ônibus, para ver os milagres. Não acredito que tenha havido tantos milagres como o divulgado.
Folha - Durante a ditadura militar (1964-85), o senhor teve uma atuação discreta, mas importante, na proteção de opositores dos militares que eram presos no Paraná. Como isso ocorreu?
Dom Pedro - Não quero me comparar, de modo nenhum, a Dom Hélder Câmara (então arcebispo de Olinda e Recife) e a Dom Paulo Evaristo Arns (arcebispo de São Paulo), que tiveram uma atuação muito forte. Mas toda vez que foi preciso defender estudantes, quem estivesse numa situação difícil, procurei fazer. Numa ocasião, fui benzer um banco e citava o exemplo dos talentos (parábola bíblica que prega a divisão dos recursos de acordo com a capacidade de cada um) e depois foi dito que eu estava pregando o comunismo. Eu nunca preguei o comunismo, mas defendi o direito do povo dentro de sua dignidade. Discretamente, quando era preciso falar, eu falava com comandantes (militares), com o governador, defendendo aqueles que deveriam ser tratados com dignidade. Também tentei evitar o contrário, porque há pessoas que cometem o excesso. Violência gera violência.
Folha - Naquele período o senhor chegou a constatar a existência de tortura de presos políticos no Paraná?
Dom Pedro - Aqui no Estado, acho que foi menos. Aqui foi mais tranquilo, até pelo povo do Paraná, que é mais tranquilo e vive mais no meio rural.
Folha - Como o senhor avalia a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Estado?
Dom Pedro - Acho que os sem-terra têm o direito de reivindicar, mas nem sempre o modo como fazem é o mais correto. Tenho exemplos de pessoas mais modestas, com propriedades pequenas, que foram prejudicadas com invasões. De outro lado, participei de atividades pela reforma agrária. Já fui pessoalmente a Brasília falar com o ministro para cobrar a reforma agrária no Paraná.
Folha - No início deste ano, o papa sagrou dois novos cardeais brasileiros. Com eles, o País passa a ter oito cardeais. Qual é a chance de ser escolhido um brasileiro como papa?
Dom Pedro - Acho provável que isso ocorra com o Brasil, a América, a África ou a Ásia. Só não saberia dizer quem poderia ser o escolhido. Por quase 500 anos o papa foi italiano. Depois, pela primeira vez, foi nomeado um eslavo (João Paulo II).

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