Política

Críticas à omissão do governo em PL Antiaborto por Estupro fazem Lula mudar de discurso

15 jun 2024 às 12:55

A repercussão negativa sobre a condescendência do governo na votação da Câmara que instituiu regime de urgência ao PL Antiaborto por Estupro levou o presidente Lula (PT), a primeira-dama, Janja, e a articulação política do Executivo a endurecerem a posição sobre a matéria.


Nesta sexta-feira (14), o chefe do Executivo evitou falar sobre o tema e disse apenas que iria "tomar pé" da situação. Menos de 24 horas depois, deu uma guinada no discurso e afirmou que é uma "insanidade alguém querer punir uma mulher com pena maior que o criminoso que fez o estupro".


O governo não orientou sua bancada na análise do projeto em plenário e lideranças do PT atuaram intensamente para que a votação não trouxesse o nome dos parlamentares favoráveis e dos contrários à proposta.


Ambas as estratégias legislativas costumam facilitar a aprovação de projetos polêmicos, uma vez que não houve orientação explícita à base aliada e deputados não precisaram declarar abertamente suas posições.


Mas as críticas à proposta, que abre espaço para estupradores terem penas menores do que mulheres que realizarem estupro, unificaram a esquerda nas redes sociais, provocaram manifestações nas ruas e forçaram o governo a recalcular a rota e mudar de posição.


O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela relação entre Congresso e governo, foi o primeiro a explicitar a mudança de postura do Palácio do Planalto.


Depois de a articulação política do Executivo ter facilitado o ambiente para aprovação do regime de urgência na quarta-feira (12), Padilha foi às redes sociais na sexta-feira (14) para dizer que não era para "contar com o governo para qualquer mudança na legislação atual de aborto no país.


A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, levou quase dois dias para tratar do tema, mas após ampla pressão se posicionou de maneira contrária ao PL. Janja se diz feminista e costuma influenciar Lula no debate da pauta de costumes para que ele tome posições mais firmes em temas que atingem minorias.


Nesta sexta (14), ela classificou nas redes sociais a matéria em curso na Câmara de "absurda".


"Isso ataca a dignidade das mulheres e meninas, garantida pela Constituição cidadã. É um absurdo e retrocede em nossos direitos. A cada oito minutos uma mulher é estuprada no Brasil. O Congresso poderia e deveria trabalhar para garantir as condições e a agilidade no acesso ao aborto legal e seguro pelo SUS", escreveu.


Nesta semana, o governo também se omitiu em outra pauta cara à base eleitoral mais fiel a Lula. A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou a PEC (proposta de emenda à Constituição) que constitucionaliza a criminalização de porte e posse de drogas.


O placar da votação registrou 47 votos favoráveis e 17 contrários. O governo não orientou sua bancada, o que também se tornou alvo de críticas de militantes do campo progressista.


A visão da esquerda é que a criminalização das drogas é uma das causas principais para a superlotação de presídios, o que atinge principalmente pretos e pobres.


O governo anda numa corda bamba em relação aos dois temas sensíveis em curso no Legislativo e a outros da chamada pauta de costumes.


O Executivo sabe que a bancada mais à esquerda é minoritária na Câmara e que o Palácio do Planalto compõe a maioria com partidos de centro que, muitas vezes, apoiam matérias com viés conservador.


Assim, o governo prefere evitar briga em projetos desta natureza para não constranger aliados e contar com votos em projetos econômicos vistos como fundamentais para resolver a crise fiscal e criar o ambiente para o crescimento do país.


No entanto, a estratégia tem um custo político alto que, em algumas situações, não foi bem calculado pela articulação política do Planalto, na visão de parlamentares ouvidos pela reportagem sob reserva.


O caso do aborto é um exemplo nesse sentido. O governo tentou evitar o tema e se eximir de responsabilidade. A cobrança da militância, porém, foi tamanha que forçou uma mudança de posição do próprio presidente da República.


Nesta sexta (14), Lula evitou uma pergunta sobre o PL. "Você acha que é justo? Acabei de sair de uma palestra, [ter que] falar de uma coisa que está sendo discutida na Câmara. Deixa eu voltar para o Brasil, tomar pé da situação, aí você me pergunta", disse Lula a repórteres brasileiros logo após discursar na sede das Nações Unidas em Genebra, na Suíça.


O tom adotado neste sábado (15) foi diferente. "Acho uma insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior do que a do criminoso que fez o estupro", disse o presidente. "À distância, não acompanhei os debates intensos no Brasil, mas, quando eu voltar, vou tomar ciência disso. Tenho certeza de que o que tem na lei já garante que a gente haja de forma civilizada para tratar com rigor o estuprador e com respeito a vítima."


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