A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Londrina instaurou, em outubro, procedimento para investigar possível burla ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA). As supostas irregularidades estariam sendo praticadas pelo juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, Ademir Ribeiro Richter, que estaria privilegiando casais adotantes inscritos recentemente em detrimento dos mais antigos, mesmo quando o perfil da criança (sexo, idade, raça e outros) desejada era o mesmo. A ordem cronológica de habilitação – sentença na qual o interessado é considerado apto a adotar – é uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Corregedoria do Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná também abriu sindicância. A irregularidade teria ocorrido em pelo menos dez casos, segundo o promotor Renato de Lima Castro, titular da investigação.
Segundo ele, a promotora que atua na mesma Vara da Infância e Juventude, Yara Faleiros Guariente, está sendo investigada por suposta omissão pela Corregedoria-Geral do Ministério Público (MP), uma vez que o artigo 50 do ECA atribui à Promotoria o dever de fiscalizar "a alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção". A reportagem deixou recado à promotora, mas ela não deu retorno à solicitação de entrevista.
Castro começou a investigação a partir de denúncia de pessoas que foram preteridas no CNA. Ele ouviu praticamente todas as integrantes da equipe técnica – assistentes sociais e psicólogas – encarregadas de acompanhar os processos de adoção. Elas relatam que o juiz seguia critérios próprios e se negava a compartilhar com elas as informações do banco de dados do CNA, arquivo informatizado passível de ser acessado apenas com senha.
Uma psicóloga da equipe, em depoimento a Castro, afirmou que "o juiz despacha no sentido de que a equipe técnica deverá indicar um casal apto à adoção; entretanto, apenas a assessora do juiz possui acesso ao CNA, o que inviabiliza que a assistente social ou a psicóloga cumpra, de fato, a determinação judicial". A mesma servidora disse que, em alguns casos, "o próprio juiz faz o contato com o casal que pretende a adoção", quando, pelo procedimento legal, a equipe técnica é que teria esta incumbência.
OUTRAS COMARCAS
Outro problema seria a entrega de crianças para adotantes de outras comarcas, quando, em Londrina, haveria casais nas mesmas condições e mais antigos na fila. A manutenção da criança na mesma comarca seria uma prioridade estabelecida pelo ECA e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O juiz, entretanto, deferiu a adoção de pelo menos duas crianças para moradores de Bandeirantes (Norte Pioneiro), cidade de origem de Richter.
Uma integrante da equipe técnica disse se recordar de pelo menos "duas situações em que o juiz estabeleceu contato direto com os pretendentes à adoção" e que ambos residiam em Bandeirantes. Só então, a psicóloga agendou a entrevista com o casal, para, cumprindo determinação legal, saber se ainda estava interessado na adoção. Na visita, "eles relataram que o Dr. Ademir já os conhecia".
Para a servidora, segundo seu depoimento, o magistrado disse que a criança, de três meses, era irmã de outra menina já adotada pelo mesmo casal. Mas, segundo as declarações dela, "inexistia vínculo entre referidas irmãs". Quanto ao outro casal de Bandeirantes, eles também teriam afirmado conhecer o juiz previamente à adoção: "são conhecidos do clube que o juiz Ademir frequenta", teria dito o casal à psicóloga. "Isso também é uma violação do Cadastro de Adoção porque é prioridade absoluta que os adotantes devem residir na comarca de origem da criança", declarou Castro.
O promotor disse que apura eventual prática de improbidade administrativa em desfavor do juiz. "Não pode o magistrado escolher arbitrariamente, de forma desarrazoada, os casais que pretende para a adoção porque muitos outros casais estão aguardando na fila". Tal conduta fere a Lei de Improbidade "atenta contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições", explicou Castro.