A bailarina Maria Glória Poltronieri Borges, chamada carinhosamente de Magó por familiares e amigos, completaria 26 anos neste sábado, 30 de maio de 2020. Magó foi encontrada morta em 26 de janeiro deste ano perto de uma cachoeira em Mandaguari (Noroeste). A bailarina havia saído de casa um dia antes para ir a uma chácara a 8 km de Mandaguari, onde realizaria um retiro espiritual.
A mãe de Maria Glória a levou até o local e a buscaria no fim da tarde do dia seguinte. O local estava lotado de pessoas na época, pois estava tendo treinamento de brigadistas. Magó foi lá para rezar e ficar no meio da natureza. Por volta das 15h30 ela desceu para a cachoeira e não voltou mais. A polícia prendeu Flávio Campana, de 41 anos, com principal suspeito. O inquérito policial foi concluído em 13 de março deste ano.
Durante as investigações, vários atos em homenagem à Magó foram realizados em todo o Brasil. Em 19 de março, foi aprovado o projeto de lei na Câmara de Vereadores de Maringá (Noroeste) que renomeia o Teatro Reviver para Teatro Reviver Magó. A família de Maria Glória sempre foi ligada aos meios culturais da cidade. Os produtores da área e artistas que fizeram a proposta para homenageá-la.
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A reportagem conversou com a família de Magó em março deste ano. Para Daisa, mãe de Magó, quando atos em homenagem começaram a ser realizados em todo o Brasil, isso tudo mostrou que seria o início de uma longa jornada. "A maneira covarde que a tirou dessa vida, nos fez entender o quanto temos, enquanto sociedade, que combater o feminicídio, violência contra a mulher e também uma luta para educar as próprias mulheres que educam seus filhos", avaliou.
Daisa afirmou que a semente de amor que Maria Glória plantou em todos os lugares, brotou através desses atos numa explosão de amor. "Além de Maringá, São Paulo, Curitiba, Londrina, Campo Mourão, Cascavel, Campo Grande, Florianópolis, Rio de janeiro, Itaparica, Salvador, Belo Horizonte, Santiago do Chile, Córdoba na Argentina, Bologna, Firenze e Catânia na Itália, Berlim na Alemanha e também em Rotterdam na Holanda. Tantas cidades com pessoas que a Magó conheceu, que voluntariamente organizaram esses atos ao redor do mundo.
Maurício, pai de Maria Glória, descreve a luta contra o feminicídio e contra o machismo como uma luta de consciência. "Uma luta que sempre existiu na Magó e que despertou em nossa família, sobretudo em mim e em minha mulher. Para nós, a questão feminina sempre esteve presente, mas depois da passagem da Magó, isso virou uma questão forte e imprescindível, principalmente pelo que vivemos. Eu que vim de uma família de mulheres fortes e, por isso, nunca antes havia percebido essa questão, nas primeiras horas após sua morte pudemos ver e sentir o machismo endêmico que degrada e prejudica nossa sociedade. Hoje essa luta é uma forma de manter a memória e o legado da Magó vivo e pulsante", declarou.
HISTÓRIA DE MAGÓ
Ana Clara Poltronieri, irmã de Maria Glória, contou que a família sempre foi muito unida. "Uma família de artistas e sonhadores", declarou. "Um dia antes da Magó ir ao acampamento, estávamos nós quatro discutindo o próximo projeto que produziríamos juntos. Família que ama trabalhar junto e que ama estar em companhia um do outro", pontuou. Ana lembrou que desde quando ela e sua irmã eram crianças até a vida adulta, seus pais sempre amaram estar com elas e viajar com elas para muitos lugares. "Sempre tivemos um relacionamento bom de cumplicidade e entrega."
Sobre a pequena Magó, Ana a descreve como espoleta, espertinha, musculosa, arteira e linda. "Quando criança, entre 2 e 3 anos, todas as vezes que íamos buscar a Magó na escolinha, ela era sempre a última a sair e sempre saía cansada, arrastando suas coisas como se estivesse acabada. Era muito engraçado. A gente ia sempre em sete primos dentro de um Fiat Uno para escola. E ela sempre ia chorando porque não queria ir." As duas cresceram brincando na rua com primos e primas. "Sempre estávamos juntos conversando, brincando, rindo, chorando. Até hoje é assim. Nós fomos criadas pela minha mãe e nossas tias como se fôssemos todos irmãos. Sempre fomos muito unidos", valorizou.
Ana contou que a dança sempre fez parte da vida da família. "Desde que estávamos na barriga da nossa mãe. Ela teve escola de Ballet por 37 anos. Então nascemos dançando praticamente. E escolhemos por vontade própria essa profissão. Estudamos por bastante tempo na escola da minha mãe, e com 15 anos, Magó foi estudar em uma escola em São Paulo, a Pavilhão D, com direção do Ricardo Scheir. Ela morou lá por dois anos e evoluiu muito na dança e na vida", relatou. "Depois ela voltou para Maringá e continuou na escola de nossa mãe. Mas voltou para São Paulo com 19 anos para integrar a Cia de Dança Carne Agonizante, dirigida por Sandro Borelli. Depois de alguns anos, ela foi para o Núcleo de Improvisação em Contato, com direção de Ricardo Neves. Após alguns anos, eu e ela fomos para a Itália e abrimos uma Cia de Dança chamada Cia Duo Due para colocar todas as nossas vontades e pesquisas em dança e corpo em prática", acrescentou.
Maria Glória, inclusive, ganhou o prêmio Aniceto Matti de incentivo à cultura em Maringá, o "Project.ATO A DANÇA COMO ATO" e produziu por um período de 6 meses em 2018, aulas, espetáculos, oficinas com artistas de todo o Brasil gratuitamente para Maringá. "Ela queria e precisava mostrar o panorama da dança brasileira pra cidade. Pra despertar a curiosidade, o amor e pesquisa, no coração de todxs xs maringaenses. A ultima vez que dançamos juntas foi no fim do ano passado, no nosso último espetáculo 'Noite Oceânica, geral sentiu' pra nós, foi um deleite, um espetáculo pra nos divertirmos e divertir o público com nossa dança ao som de uma DJ ao vivo, a DJ Chá di Lirian. Uma honra dividir o palco com uma mulher de grande sabedoria com o corpo e com a pesquisa da dança"
A irmã da bailarina contou que ela também sempre amou capoeira e a filosofia da capoeira. Além da dança e da capoeira, Magó também praticava Yoga, pedalava todos os dias e praticou Aikido por bastante tempo. Mas não acaba por aí. Maria Glória também gostava de tocar pandeiro em um grupo de samba em Maringá, o Sambaiá. "Magó era uma joia rara e preciosa. O amor em pessoa. Era sábia, tinha uma alma sábia. Não tinha só 25 anos. Quem a conheceu sabe do que estou falando. A dança dela também inspirava muito. Quando ela improvisava uma dança, era uma Deusa. Você via a entrega dela naquele momento, era claro que estava no lugar certo, fazendo a coisa certa naquele momento", elogiou.
"Ela via o bem em todos. Nunca falou mal de alguém, ao invés disso, desejava amor e luz sempre que algum momento ou pessoa parassem de fluir na mesma energia. Muito interessada com os saberes ancestrais das curandeiras e raizeiras do nosso Brasil, que encontram na terra, na natureza, a cura pra todas e qualquer doença. Honrava muito a vida dessas mulheres. Era feminista, lutava pelos direitos da mulher, pela igualdade de gênero. Defendia os povos originários e se emocionava com essa luta e levava essa bandeira com ela no peito", concluiu Ana Clara com amor.