"Quero lhe pedir, senhor, que leve a alma de quem eu gostava e amava para o céu, meu pai Ramon e meu avô Marins. Leve a alma deles em paz, senhor Jesus." Esta foi a mensagem do garoto Édipo Romão, de 11 anos, que amarrou seu bilhete junto a um dos 300 balões de gás que foram soltos, ontem de manhã, em um cemitério de Curitiba. A frase de Édipo reflete o sentimento da maioria das 700 mil pessoas que eram esperadas no Dia dos Finados nos cemitérios de Curitiba.
Mas se o sentimento de perda e saudades é unânime, as homengens tomam diferentes formas, dependendo do cemitério e das condições econômicas de cada família. No cemitério municipal Santa Cândida, o maior da Capital, uma extensa área de terra, forrada de pequenas cruzes de madeira marcadas apenas por números e nenhum nome, revela a condição pobre daqueles que foram enterrados ali. A área é destinada para enterros gratuitos. O corpo fica no local cerca de dois anos, quando então os ossos são transferidos para um "ossário". Foi nesse local que foram realizadas recentemente exumação de diversos cadáveres com o objetivo de investigar denúncias de venda de corpos a universidades.
"Meu Deus, eu só peço que ele ainda esteja aqui", dizia Alcídia de Souza Rodrigues, em meio às cruzes, enquanto procurava o lote 92.960. Ali foi enterrado seu filho Claudeir Aparecido Rodrigues, que morreu em julho do ano passado. "Ele morreu de uma doença, acho que era Aids", disse o pai Mário Aparecido Rodrigues. Ao lado o neto Alisson Aparecido Rodrigues, de 6 anos, colocava as flores baratas de plástico em uma garrafa de água mineral cortada, em frente à cruz.
No outro lado da cidade, o cemitério São Pedro, que segue o estilo americano do tipo parque, programou uma série de atividades que buscaram relembrar os mortos, não com tristeza, mas sim homenageá-los com um ato de saudades. Além de um culto ecumênico, houve apresentação de coral infantil, e cerca de 300 pombos e balões de gás com bilhetes de familiares foram soltos. Outra novidade foram as atividades terapêuticas, com pintura de painéis pelas crianças e plantio de flores.
No parque gramado, cada jazigo aparecia forrado por flores coloridas, a maioria artificial. "Eu sempre venho aqui, não apenas no 2 de novembro", contava Rosilane Chaves, empenhada em lustrar a placa de ferro sobre o jazigo de seu pai Dirceo Chaves, que faleceu em desembro de 1998, aos 58 anos, vítima de parada cardíaca.
No Cemitério Municipal São Francisco de Paula, o terceiro maior e o mais tradicional da cidade, o movimento foi bem abaixo dos anos anteriores. Como acontecem todos os anos, o túmulo mais procurado foi o de Maria Bueno, uma garota pobre, morta por ciúmes a golpes de faca, em 1893 em Curitiba, por um oficial do exército. Desde então, cabe a ela a fama de conceder milagres a quem lhe faz os pedidos.
História
A transformação do 2 de novembro como um dia de homenagem aos mortos aconteceu por volta do ano 1000, em uma iniciativa dos monges beneditinos. O abade santo Odilão, superior do mosteiro de Cluny, na França, deu ordem para que em todos os conventos filiados àquela ordem celebrassem um ofício pelos defuntos na tarde de 1º de novembro. Essa comemoração foi adotada pela autoridade da Igreja, de tal modo que, aos poucos, tornou-se universal a dedicação do 2 de novembro à memória dos irmãos já falecidos.