O grande deslizamento de terra que matou duas pessoas no trecho da BR-376 em Guaratuba, no litoral do Paraná, completa um ano nesta terça-feira (28). De lá para cá, ninguém foi responsabilizado pelo desastre, que aconteceu em uma rodovia concedida pela União à concessionária ALS (Arteris Litoral Sul). Familiares dos motoristas mortos buscam indenizações na Justiça Federal desde o início do ano.
A investigação sobre o que aconteceu foi feita pela Polícia Civil do Paraná, que concluiu o inquérito em meados do ano, sem indiciamentos. O inquérito policial foi recebido em setembro pelo Ministério Público do Estado, que sugeriu o arquivamento, acolhido pelo Judiciário na sequência.
Leia mais:
Universidade de Cornélio Procópio anuncia construção de restaurantes universitários
Instituto de Tecnologia do Paraná identifica níveis de agrotóxicos em alimentos
Paraná registra menor número de roubos em 17 anos
Prêmio de R$ 100 mil do Nota Paraná vai para moradora de Florestópolis
Na manifestação da 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba, o arquivamento é sugerido porque a principal causa das mortes teria sido "a massa de terra e vegetações que deslizou do talude superior em direção ao talude inferior da encosta, levando de roldão os veículos que se encontravam na faixa da pista atingida", e não seria possível apontar "ação humana passível de punição na esfera criminal".
Naquele 28 de novembro, um deslizamento de terra menor já havia acontecido na região, sem vítimas, gerando a interdição parcial da pista, por decisão da concessionária. Por volta das 19h, ocorreu o segundo deslizamento de terra, que atingiu três carros e seis caminhões, e matou duas pessoas.
"O movimento geológico seria um fenômeno natural de causas múltiplas e complexas, não reduzíveis a tipificação penal, sem qualquer prejuízo, por óbvio, das eventuais responsabilizações nas esferas cíveis e administrativas", continua a Promotoria.
No Ministério Público Federal, o desastre gerou um procedimento preparatório para apurar as responsabilidades ou omissões das instituições envolvidas. Mas, isso também foi arquivado.
Procurada, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), órgão federal que regula e fiscaliza o contrato de concessão, disse que não foram aplicadas penalidades administrativas por conta do desastre na BR-376.
Mas acrescentou que foi definida junto à ALS uma lista com 11 procedimentos sobre interdição da rodovia em caso de chuva acima de 60mm³ em 24 horas ou 150mm em sete dias. Entre os procedimentos estão informar a PRF (Polícia Rodoviária Federal) do "acionamento do gatilho de interdição por condições climáticas e sobre a interdição total da rodovia em ambos os sentidos".
Procurada, a Arteris Litoral Sul disse que acompanha em tempo real o volume das chuvas na região, além de uma série de outros indicadores, e que, a partir disso, apoia a PRF na realização de bloqueios emergenciais de tráfego.
Sobre o desastre na BR-376, a concessionária alegou que as suas fiscalizações de prevenção dentro da faixa de domínio da concessão "não indicavam riscos no local dos fatos".
Também afirmou que a análise técnica que fez sobre o caso mostrou que o deslizamento de terra "teve início com ruptura e posterior acúmulo de água fora dos limites da concessão, a aproximadamente 100 metros além da faixa de domínio".
Um ano após o deslizamento de terra, uma das seis faixas segue interditada e a concessionária menciona que uma "obra definitiva" ainda precisa ser feita no local.
Já foi restabelecida a capacidade original de tráfego no sentido norte (sentido Curitiba), com as três faixas liberadas, mas, na pista sul (sentido Florianópolis), duas faixas estão liberadas e a faixa da direita, que recebeu a instalação de telamento dinâmico de alta resistência, permanece interditada.
Sobre a execução da obra definitiva, a empresa defende um reequilíbrio financeiro no contrato de concessão e afirma que está em tratativas com a ANTT.
A empresa afirma que o reequilíbrio financeiro é necessário porque "aproximadamente 80% da obra definitiva está fora dos limites de concessão".
Para a advogada Juliana Bertholdi, é difícil conseguir punir alguém no país nesse tipo de caso. "Quando a gente começa um inquérito policial em casos assim, normalmente a gente está falando de pessoas que tomam as decisões -'vou abrir a estrada, vou interditar a estrada'-, e é muito difícil a gente conseguir construir um nexo causal entre a decisão das pessoas e o resultado experimentado. A conclusão é de impossibilidade de verificação de conduta criminosa das pessoas no processo de tomada de decisão", explica ela.
Para a advogada, sobra a sensação de impunidade. "E, na minha leitura, é um ato criminoso. Porque a gente tem ofensa a bens jurídicos, a vida, a integridade física e a propriedade destas pessoas. E é por isso que eu defendo a possibilidade de responsabilizar criminalmente a empresa", afirma ela.
As duas vítimas mortas são os caminhoneiros Marcio Rogério de Souza, 51, e João Maria Pires, 60.
O advogado Thiago Mattos de Oliveira, que representa os familiares dos dois trabalhadores, disse que entrou no início do ano na Justiça Federal com processos para pedir indenizações por dano moral e material e que ainda aguarda respostas.
Marina de Souza Iavorski, irmã de Marcio Rogério de Souza, disse à reportagem que o caminhão era a principal fonte de renda da família. "Eles [concessionária] até entraram em contato, oferecendo psicólogo, mas não houve indenização. O caminhão era a nossa empresa, minha e do meu irmão. O nosso ganha pão", disse ela.