Os procuradores André de Carvalho Ramos, Eugênia Fávero e Maria Eliane Menezes de Farias explicaram, em nota enviada à imprensa, os motivos que os levaram a suspender o programa "Domingo Legal", do SBT, no último domingo.
A explicação é uma resposta às críticas de que teriam censurado o programa antes que ele fosse ao ar. Segundo eles, o Ministério Público Federal é contra a censura, mas ela "nunca pode ser confundida com o crivo feito pelo Poder Judiciário e com direito a recurso, como foi o que ocorreu no caso".
Leia a nota, na íntegra:
"O Ministério Público Federal, face à propositura da Ação Civil Pública referente aos abusos praticados no Programa 'Domingo Legal' da Rede de Televisão SBT, vem esclarecer o seguinte:
1. A decisão da Justiça Federal de São Paulo, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, não foi de censurar previamente o programa, mas suspender uma de suas edições, como punição pelo abuso cometido no dia 07/09/03.
2. A suspensão de determinado programa televisivo por violar a Constituição é uma das medidas possíveis para fazer com que a Constituição seja efetiva. É elementar no Direito brasileiro que toda e qualquer espécie de lesão à norma constitucional deve ser analisada pelo Poder Judiciário.
3. Também não há que se falar em "punição antes do exercício do direito de defesa". A nossa legislação processual admite amplamente a antecipação dos efeitos da decisão judicial, quando houver risco de dano irreparável. Consideramos que tal risco está presente pois, nesse tipo de lesão, se houver demora do Judiciário em oferecer uma resposta à população, isso pode resultar na sua irrelevância no futuro, como já aconteceu em tantos outros casos que até hoje têm seu trâmite na Justiça.
4. A Constituição brasileira impõe limites ao conteúdo de programas televisivos, não o Ministério Público e muito menos o Poder Judiciário. O artigo 221 expressamente obriga as empresas de radiodifusão de som e imagem a zelar por valores constitucionais, entre eles, a proteção da pessoa e da família. Tal norma é obrigatória e deve ser respeitada, podendo o Ministério Público cobrar, judicialmente, seu cumprimento.
5. Censura, proibida pela Constituição, nunca pode ser confundida com o crivo feito pelo Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público e sujeito a recurso, como foi o que ocorreu no caso.
6. A própria Constituição estabelece que a radiodifusão de som e imagem é concessão pública federal. As empresas privadas são apenas concessionárias e devem cumprir a finalidade pública da concessão, evitando que a busca do lucro e da audiência ofendam os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Para tanto, a Constituição, que é de 1988 e cujos artigos foram votados e amplamente discutidos, admite até a cassação da concessão por decisão judicial e a não-renovação da concessão.
7. O Ministério Público Federal ressalta que é absolutamente contra a censura. Confundir uma ação judicial com censura é destruir o Estado de Direito, baseado no acesso à Justiça, que vai garantir o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à cidadania e a dignidade da pessoa humana.
8. Relembra o Ministério Público trecho da "entrevista" simulada, produzida e divulgada pelo programa de televisão em questão como autêntica: "Ele tem família, tem neto, tem filho, e é o seguinte, vai ser só bala mesmo na cabeça. A gente não tá pra brincadeira não, certo? E é só isso que eu tenho pra falar." Novamente, o Ministério Público Federal não pode compactuar com tais fatos e permitir que uma concessão pública seja considerada acima da Constituição, nem que uma medida judicial, que foi sujeita a recurso perante o Tribunal Regional Federal, seja considerada censura ou exercício arbitrário dos poderes constituídos.
9. Foi a Constituição que, ao mesmo tempo em que proibiu a censura, estabeleceu valores que as redes de televisão devem obediência. Assim, buscar o respeito a tais valores por ação judicial é justamente o oposto do arbítrio, do autoritarismo. É exemplo de cidadania e respeito aos caminhos democráticos estabelecidos pelo Estado brasileiro na Constituição."