O calorão que atingiu Rio de Janeiro e São Paulo recentemente foi impulsionado pelas mudanças climáticas, concluiu um estudo lançado nesta semana.
Os resultados das ações humanas, principalmente pela emissão de gases-estufa na queima dos combustíveis fósseis, somados à variabilidade climática natural provocaram uma elevação de temperatura de até 1°C acima do que foi observado em "calorões" passados.
É o que aponta um estudo rápido de atribuição da ClimaMeter, plataforma desenvolvida pela equipe do laboratório de ciências do clima e do ambiente na Universidade Paris-Saclay, na França. Hoje, integram o grupo cientistas de diversas universidades europeias. O projeto é experimental e se propõe a analisar, de forma ágil, eventos extremos logo após as ocorrências.
A pesquisa avaliou a onda de calor que atingiu parte do Brasil de 15 a 18 de março e levou as temperaturas e a sensação térmica a atingirem novos recordes em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
A ClimaMeter analisou como as ondas de calor na região mudaram neste século, em relação às características das décadas anteriores. A pesquisa comparou a média de temperatura dos anos 2001 a 2023 com o período de 1979 a 2000.
O estudo concluiu que as ondas de calor semelhantes à que aconteceu em março estão 1°C mais quentes do que as previamente observadas no país, mesmo ocorrendo no final do verão.
Na avaliação do pesquisador Tommaso Albert, um dos autores do estudo, a recente onda de calor destaca o profundo impacto das mudanças climáticas no Brasil, com o aumento nos riscos à saúde e implicações econômicas significativas.
Na cidade de São Paulo, no dia 16 de março, sábado, foi registrada temperatura de 34,7°C, a maior para o mês em ao menos 81 anos, desde que o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) passou a fazer a estatística, em 1943. Esse foi o dia mais quente de 2024 na capital paulista.
No Rio, no dia seguinte (17 de março), a sensação térmica foi recorde, com 62,3°C registrados na estação meteorológica de Guaratiba.
Ele ressalta ainda que o índice de calor -como é chamada a medição da sensação de temperatura, que considera tanto a temperatura do ar quanto a umidade- atingiu níveis sem precedentes.
"Nossa análise revela temperaturas percebidas excepcionalmente altas resultantes da convergência de ar anormalmente quente e aumento da umidade, fenômenos que devem se intensificar ainda mais com as mudanças climáticas em curso", diz o pesquisador.
Os cientistas observaram também que eventos similares passados ocorriam principalmente em novembro e dezembro, enquanto no clima atual estão acontecendo, principalmente, em fevereiro e março.
A análise de mudanças em áreas urbanas revela que Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo estão até 1°C mais quentes no presente em comparação com o passado, e a capital paulista também experimenta aumento da precipitação (até 1 mm/dia), que, junto com temperaturas mais altas, eleva o índice de calor.
De acordo com a ClimaMeter, as fontes de variabilidade climática natural, especialmente a PDO (sigla em inglês para oscilação decadal do Pacífico) e a AMO (oscilação multidecadal do Atlântico), podem ter também influenciado o episódio recente.
Davide Faranda, coautor do estudo, avalia que os impactos deste evento destacam o conceito de justiça climática, já que comunidades marginalizadas suportam o peso de impactos climáticos cada vez mais severos.
"Estamos entrando no outono do hemisfério sul, no entanto, ele continua sendo caracterizado por condições semelhantes ao verão ou até mesmo por ondas de calor em grande parte do território. Medidas urgentes de adaptação são necessárias, especialmente para populações vulneráveis que vivem nas favelas, onde o índice de calor excede os valores oficialmente registrados", diz.
No fim do ano passado, a ClimaMeter divulgou um relatório sobre a onda de calor que atingiu diversas regiões do Brasil de 13 a 19 de novembro. Nessa análise, os cientistas apontaram que a temperatura foi de 1°C a 4°C mais quente do que teria sido em eventos do tipo entre 1979 e 2000.
A mesma análise da ClimaMeter em 2023 mostrou que, além de mais quentes, as ondas de calor têm ficado mais secas e com menos vento, o que tende a reforçar zonas de alta pressão que impedem a aproximação de frentes frias com umidade e chuvas.