Após os casos do ex-ativista Cesare Battisti, do ex-banqueiro Henrique Pizzolato e do mafioso Pasquale Scotti, mais um caso de extradição pode movimentar as relações entre Brasil e Itália nas próximas semanas. Desta vez, o episódio envolve uma brasileira que trabalhou como empregada doméstica para um casal da localidade de Bosco Chiesanuova, na província de Verona, norte italiano, que acusa seus ex-patrões de violência física e psicológica. As informações são da agência ANSA.
Segundo o Ministério Público Federal na Bahia (MPF/BA), a denunciante reside no município de Camaçari e foi convidada pela ítalo-brasileira Natalice Lago Reis, em agosto de 2009, para trabalhar em sua casa na Itália. A suposta vítima, que teria conhecido a família de Natalice em uma igreja protestante de Camaçari, tinha 19 anos na ocasião e recebera a promessa de ganhar 200 euros por mês, ou R$ 526, segundo a cotação da época.
Ela ficaria na Itália por cerca de um ano e ainda precisaria ressarcir o valor gasto pelos empregadores com despesas de deslocamento. No entanto, ao chegar à Itália, ela teria sido submetida a humilhações e maus-tratos e impedida de sair de casa, o que configura condição análoga à escravidão. O casal também teria se negado a remunerar a empregada, usando como argumento a suposta dívida da viagem.
A denunciante voltou ao Brasil em 2010 e procurou a Justiça. Segundo o Ministério Público, as agressões foram comprovadas por exame de lesões corporais e de verificação de ato libidinoso. De acordo com o MPF, ela era obrigada a "entrar em uma banheira com água gelada, sal e vinagre" para encobrir as marcas dos golpes.
No entanto, o jornal Corriere della Sera publicou que a brasileira teria sido "demitida" por maltratar os quatro filhos do casal, que chegou até a denunciá-la. Em meados de 2015, as autoridades brsileiras pediram a extradição de Natalice. Um ano mais tarde, foi enviada uma solicitação referente a seu marido, o italiano Agostino Meneghini.
A extradição da mulher chegou a ser acolhida pela Corte de Cassação de Roma, espécie de Supremo Tribunal Federal da Itália. Contudo, no dia 2 de fevereiro, o ministro da Justiça italiano, Andrea Orlando, assinou um decreto rejeitando a entrega de Natalice ao Brasil.
Já o pedido de extradição do marido está em tramitação, e o caso deve ser discutido pela Corte de Apelação de Veneza nesta quarta (8). O casal também é alvo de um inquérito da Procuradoria da capital do Vêneto que investiga supostos maus-tratos à brasileira. Os promotores já concluíram suas diligências, mas ainda não anunciaram se indiciarão Natalice e Agostino.
Comparações
Assim que saiu na imprensa italiana, o episódio provocou duras críticas contra a simples possibilidade de extradição, com comparações com o ex-ativista Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por "terrorismo" e envolvimento em quatro assassinatos.
Para escapar da cadeia, Battisti mudou-se para a França, mas fugiu quando teve sua extradição autorizada. De lá, viajou ao México e, em seguida, ao Brasil, onde foi preso em 2007. O Supremo Tribunal brasileiro chegou a autorizar sua expulsão, mas o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, no último dia de seu segundo mandato, mantê-lo no país.
"Obviamente, que a magistratura continue seu caminho, verificando todos os fatos e, caso sejam confirmadas as acusações, condene essas pessoas segundo nossos códigos, mas não absoluto à extradição", declarou o senador Roberto Calderoli, do partido ultranacionalista Liga Norte.
Para o parlamentar, Roma não deve aceitar o pedido de um Estado que "já demonstrou não reconhecer" a autoridade da Justiça italiana, "negando por mais de 10 anos a extradição de um criminoso do calibre de Cesare Battisti". A opinião é compartilhada pela deputada Elvira Savino, do conservador Força Itália, que apontou "contradições" na postura do Brasil.
"As autoridades brasileiras negam há anos a extradição à Itália do terrorista vermelho Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por diversos homicídios, mas agora pedem a extradição de dois italianos, não por causa da execução de uma sentença transitada em julgado, mas com base na simples denúncia de uma cidadã", disse.
Pizzolato
Depois do "caso Battisti", outros dois episódios de extradição envolvendo Brasil e Itália tiveram final positivo para os dois países. O primeiro foi o do ex-banqueiro Henrique Pizzolato, condenado no processo do mensalão e entregue a Brasília em outubro de 2015, mais de 600 dias depois de ter sido capturado em Maranello, no norte da Itália.
O segundo caso foi o de Pasquale Scotti, ex-matador da Camorra, a máfia napolitana, detido no Recife, que teve sua extradição para a Itália realizada em março de 2016.