A devastação está praticamente por toda parte em Misrata. Os únicos sinais de vida por aqui vêm do recém-batizado Museu de Misrata, onde armas confiscadas de forças leais a Muamar Kadafi e outros troféus da guerra estão expostos. O mais precioso troféu da cidade, no entanto, permanece longe dos olhos do público. Mansour Dhao Ibrahim era um dos homens mais procurados pelas forças do Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia.
Hoje preso, ele é tido como responsável por assassinatos, estupros e tortura de oponentes de Kadafi. Acredita-se que ele saiba onde estão várias valas comuns contendo restos mortais de combatentes. Quando o encontramos, estava sentado no chão, de pernas cruzadas e descalço, com uma cópia do Alcorão (o livro sagrado dos muçulmanos) à sua frente e um colchão levemente manchado de sangue ao seu lado.
Homem de confiança de Kadafi, Dhao foi capturado junto ao ex-líder, em Sirte. Ele oferece informações preciosas sobre o estado emocional do coronel nos últimos dias de sua vida. "Kadafi estava nervoso. Ele não conseguia fazer ligações ou se comunicar com o mundo lá fora. Tínhamos pouca comida e água. As condições de saneamento eram ruins", ele disse.
Segundo ele, Kadafi "andava para lá e para cá em uma sala pequena, escrevendo em um caderno. Sabíamos que estava tudo terminado. Kadafi disse: 'Sou procurado pelo Tribunal Penal Internacional. Nenhum país vai me aceitar. Prefiro morrer nas mãos dos líbios'".
Missão suicida
Dhao disse que Kadafi tomou a decisão de ir para o local onde nasceu, no vale de Jarref, próximo de onde estavam. Perguntei se era uma missão suicida. "Era uma missão suicida", disse Dhao."Sentimos que ele queria morrer no lugar onde nasceu. Ele não disse isso explicitamente, mas foi com o propósito de morrer".
Mas o plano de Kadafi não funcionou. Seu comboio foi atacado pelas forças da Otan. O homem que um dia foi temido por tantos correu para se esconder em um cano de água. Ali foi encontrado e capturado. Com ele estava seu motorista, Huneish Nasr.
Quando falei com Nasr na prisão, ele vestia a mesma camisa ensanguentada que vestia naquele dia, quando foi ferido. Ele disse: "Kadafi saiu do cano. Fiquei lá dentro. Não conseguia sair. Havia uma multidão tão grande de combatentes".
"Kadafi não tinha para onde ir. Era um homem no meio de tantos e os combatentes gritavam: 'Kadafi, Kadafi, Kadafi'". Huneish Nasr estava nervoso e claramente preocupado com a presença dos captores, dois dos quais permaneceram conosco durante a entrevista, com os braços cruzados.
Seus olhos negros percorriam, rápidos, todos os cantos da sala. Ele insistiu várias vezes em dizer que os combatentes que capturaram Kadafi não atiraram quando o encontraram.
'Furioso e decepcionado'
O motorista disse que Kadafi não pareceu surpreso ao vê-los se aproximar, parecia conformado. Mansour Dhao, no entanto, acredita que Kadafi morreu furioso e decepcionado. "Ele achava que seu povo deveria amá-lo até o fim. Sentia que havia feito tantas coisas boas para (o povo) e para a Líbia. Ele também se sentia traído por homens que pareciam ser seus amigos, como Tony Blair e Silvio Berlusconi", disse.
Quando perguntei sobre o terror e as torturas, os homens pareceram menos dispostos a falar. Temem por suas vidas. Se for declarado culpado na Líbia, Mansour Dhao pode ser enforcado. Ainda assim, embora negando qualquer responsabilidade, Dhao falou sobre crimes do governo Kadafi que são conhecidos mas raramente confirmados por uma pessoa leal a ele.
Lockerbie
Ele disse que oponentes do coronel Kadafi foram torturados, que o ex-líder financiava abertamente o terrorismo internacional e que o atentado à bomba em Lockerbie foi planejado pela segurança externa de Kadafi. Segundo ele, um dos momentos mais terríveis de Kadafi foi a ordem para que cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria prisioneiros políticos na prisão de Abu Salim, em Trípoli, fossem assassinados em 1996.
O destino de Mansour Dhao e Huneish Nasr é incerto. Será que os combatentes de Misrata vão entregar seus prisioneiros, junto com as armas e seu recém-adquirido poder, às novas autoridades de transição na Líbia? Ou poderão as rivalidades regionais prejudicar o futuro da Líbia, impedindo que os problemas do passado sejam resolvidos?