Os Estados Unidos vão anunciar uma integração de cadeia de suprimentos em minerais cruciais do Brasil e em transição energética, segundo a embaixadora americana no país, Elizabeth Bagley.
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O anúncio, planejado para coincidir com a presidência do Brasil no G20, deve gerar tensões com a China, que trava uma guerra fria tecnológica com os EUA e disputa com Washington fornecimento de minerais como nióbio, grafite (grafeno), níquel e terras raras, essenciais para equipamentos de alta tecnologia.
No ano em que se comemora o bicentenário das relações bilaterais entre Brasil e EUA, a embaixadora destaca o papel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na diplomacia regional, com pressões para que o ditador Nicolás Maduro assegure uma eleição justa na Venezuela, e mundial -como líder do chamado Sul Global.
PERGUNTA - Nas eleições de 2022 no Brasil, os EUA foram mais enfáticos do que de costume no apoio à integridade do processo eleitoral. O conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e o secretário de Defesa, Lloyd Austin, estiveram aqui para conversar com o então presidente Jair Bolsonaro e militares. Por que os EUA consideraram importante agir dessa forma?
ELIZABETH BAGLEY - Temos uma história com o Brasil, são 200 anos de relações bilaterais. A democracia no Brasil é muito importante para nós, e tivemos nossos próprios problemas com a democracia na última eleição. O Brasil tem instituições democráticas, mas a democracia é sempre frágil, e freios e contrapesos são muito importantes. O secretário Austin queria garantir que os militares fossem parte do processo democrático, não o oposto.
P. - O Brasil faz parte dos esforços de nearshoring dos EUA, de passar a usar mais fornecedores de países aliados ou mais próximos geograficamente?
EB - O ministro [da Fazenda] Fernando Haddad e a secretária do Tesouro, Janet Yellen, têm conversado sobre o tema. Eles realmente se respeitam e gostam um do outro, e ela sente muito fortemente que o Brasil deveria fazer parte [do nearshoring].
Então estamos discutindo minerais cruciais, temos o G20 e a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global [resposta ainda incipiente dos EUA à Iniciativa Cinturão e Rota, da China]. Representantes [da parceria] visitaram o Brasil várias vezes já. Eu me reuni com o ministro dos Transportes [Renan Filho], com o ministro das Minas e Energia [Alexandre Silveira], para discutir minerais cruciais.
E o presidente Lula propôs uma parceria na transição energética em reunião com nosso secretário de Estado, Antony Blinken. Queremos definitivamente trabalhar com o Brasil, especialmente com minerais cruciais, hidrogênio verde.
P. - O Brasil ainda não é membro da Parceria para Infraestrutura e Investimento Global. Isso está sendo discutido?
EB - Há uma discussão ativa com o Departamento de Estado e do Tesouro. O líder chinês, Xi Jinping, espera que o Brasil entre na Iniciativa Cinturão e Rota ainda este ano.
Ele ainda não conseguiu fazer isso. Acho que ele pensou que [o anúncio da entrada da iniciativa] aconteceria quando Lula foi à China. Não sei em que ponto estão na Cinturão e Rota. Será interessante ver, mas não são excludentes. Nosso [estoque de] investimento direto estrangeiro no Brasil é enorme. São quase R$ 1 trilhão, ou US$ 192 bilhões, em comparação com US$ 30 bilhões da China. Somos o maior investidor estrangeiro e continuaremos a investir e ainda mais.
P. - Semicondutores e tecnologias avançadas estão entre as áreas prioritárias para investimento no Brasil?
EB - Não acho que o Brasil seja um candidato para investimento em semicondutores, mas minerais cruciais certamente são. Teremos um grande anúncio no G20, na cúpula de líderes em novembro, sobre minerais cruciais, infraestrutura e cadeia de suprimentos. O ministro Haddad e a secretária Yellen estão negociando.
Como a senhora vê a expansão do Brics, que aumentou o número de membros de cinco para nove, e o Irã é um deles.
É difícil saber, porque ainda não esclareceram o que estão tentando fazer. Certamente, o Brasil pode fazer o que quiser, mas é difícil saber para onde estão indo. Não sentimos que estejamos em competição com eles. É apenas outra organização da qual fazem parte, como a ONU.
P. - A China quer que o Brics seja um contraponto ao G7. A senhora vê o Brics como bloco representante do Sul Global?
EB - Não necessariamente. A China gostaria disso, mas acho que o líder do Sul Global deveria ser o presidente Lula, do Brasil. Certamente a China e Xi Jinping têm certos objetivos e aspirações. E acho que a China certamente terá mais poder dentro do Brics.
P. - Quando o Brasil fez o leilão do 5G, os EUA afirmaram que não deveríamos permitir equipamentos da Huawei nas empresas que estavam participando do leilão. Mas o Brasil resistiu, não vetou a Huawei. Agora estamos discutindo inteligência artificial e infraestrutura de alta tecnologia. E teremos, em breve, carros elétricos fabricados pela China aqui. Há algum aviso que o governo dos EUA queira dar?
EB - Sempre dizemos para os países negociarem com muito cuidado, com os olhos abertos. As empresas chinesas fazem parte do governo chinês, não são privadas. Há questões de segurança e privacidade. Então basicamente dizemos: 'faça o que quiser, é o seu país, mas esteja ciente, porque definitivamente há problemas'.
P. - A senhora acha que o TikTok é uma ameaça à segurança nacional?
EB - Sim.
P. - A Índia, como os EUA, baniu o TikTok. A senhora acha que outros países deveriam banir o TikTok?
EB - Não posso dizer a outro país o que fazer. É uma questão de soberania. Mas, pela primeira vez, temos acordo bipartidário [na lei sobre o TikTok], porque é uma questão de segurança, como é, no final das contas, tudo o que a China faz.
Quando Biden se encontrou com Lula na Casa Branca no início do ano passado, ele anunciou uma contribuição de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia. Até agora, os EUA deram apenas US$ 3 milhões e se comprometeram com mais US$ 47 milhões, mas o montante ainda não foi liberado.
Sim, como acontece com Gaza e Ucrânia. É o Congresso. Os US$ 47 milhões estão pendentes, e esperamos desembolsá-los até o final deste ano. Os US$ 500 milhões são para cinco anos. Vamos ver o que acontece com a composição do Congresso no próximo ano. Estou pressupondo que, provavelmente, [o controle] da Câmara mudará, não tenho certeza sobre o Senado. O Congresso é muito fragmentado, então é difícil.
EUA e Brasil discordam em suas visões sobre Gaza e Ucrânia.
Eu diria que concordamos mais do que discordamos. Quando Biden se reuniu com Lula, ele falou dos nossos objetivos. Primeiro, a libertação de reféns; depois, cessar-fogo; seis semanas depois, um cessar-fogo permanente, e então, quando os reféns estiverem de volta, começar a negociar uma solução de dois Estados. Concordamos totalmente com isso.
Concordamos que houve desumanização, que houve grandes problemas em Gaza, e que o 7 de Outubro é algo inconcebível e afetou o povo israelense e judeu, mas é igualmente horrível o que aconteceu em Gaza.
Acho que o governo Biden está se aproximando do que muitos outros países querem que façamos. Estávamos fazendo isso nos bastidores, mas agora está se tornando mais público, com [a ofensiva de Israel em] Rafah.
Também concordamos que deve haver paz na Ucrânia, a questão é quando e como... e acho que o presidente Lula desempenhou um papel muito importante na Venezuela. Obviamente ele tem influência sobre Maduro, ele tem pressionado Maduro para que as eleições sejam livres e justas e os candidatos da oposição sejam respeitados.
P. - Vários candidatos da oposição não poderão participar. Existe a possibilidade de ter eleições livres e justas sem os principais candidatos da oposição?
EB - Barraram [a candidata] Maria Corina Machado, mas ela fez como o presidente Lula recomendou [indicou uma candidata em seu lugar].
Mas a candidata que ela indicou disse que tampouco conseguiu se inscrever...
Mas agora eles têm outra pessoa...
Sim, mas é a terceira opção.
Sim, isso não é bom. Eles não honraram os termos do acordo de Barbados e tivemos que retomar algumas das sanções [contra a Venezuela]. Esperamos que aceitem observadores internacionais nas eleições e os candidatos sejam respeitados. Mas acho que o governo brasileiro desempenhou um papel muito importante.
P. - O presidente Lula mudou sua posição, e, pela primeira vez, o Brasil criticou Maduro. A senhora achou isso construtivo?
EB - Sim. Acho que [Lula] tem que criticar, porque ele tem mais poder sobre Maduro do que qualquer outra pessoa. A Guiana também é um problema, e ele tem sido muito bom nessa questão, muito assertivo contra a [ameaça de invasão [venezuelana em Essequibo]. Estamos trabalhando juntos nessas questões.
RAIO-X | Elizabeth Frawley Bagley, 71
Embaixadora dos EUA no Brasil, foi assessora sênior dos secretários de Estado John Kerry, Hillary Clinton e Madeleine Albright. Atuou também como representante especial na Assembleia-Geral das Nações Unidas, representante especial para Parcerias Globais e embaixadora dos EUA em Portugal. Fez sua graduação no Regis College e seu mestrado em direito na Universidade de Georgetown.