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Brasileiros deixam terras no Paraguai depois de ameaças

06 mai 2010 às 23:36

Há cerca de 36 anos, a gaúcha Odete Bender deixou o Rio Grande do Sul em direção ao Paraguai, com a promessa de terras baratas e melhores oportunidades. Neste período, ela conta ter adquirido uma propriedade agrícola, uma padaria e um restaurante na cidade de Mariscal Francisco Solano López, Departamento de Caaguazú, região central do país.

Quase dois meses atrás, no entanto, Odete resolveu abandonar suas propriedades no Paraguai para morar em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) à beira da rodovia BR-163, entre os municípios de Itaquiraí e Naviraí, no Mato Grosso do Sul.


Segundo ela, o que a motivou a deixar sua vida no Paraguai para morar em um acampamento sem rede elétrica e de esgoto no Brasil foram as hostilidades que partiram de trabalhadores sem-terra paraguaios, que passaram a invadir propriedades dos chamados brasiguaios e ameaçá-los com armas.


Odete está entre as cerca de 500 famílias de brasiguaios que chegaram nos últimos meses ao acampamento Antônio Irmão, de acordo com os coordenadores do MST no local. Segundo a prefeitura, no entanto, há cerca de 600 brasiguaios no local. Todos esperam recomeçar a vida após conseguirem terras no Brasil.


Tensão


Entre estes novos moradores, as queixas a respeito da violência e da ameças por parte de sem-terra e até mesmo de autoridades policiais paraguaias são comuns.


Também nascida no Rio Grande do Sul, Ana Ferrari Favero chegou ao acampamento no último dia 16 de abril, após 26 anos morando na mesma cidade de Mariscal Francisco Solano López, no Paraguai.


Segundo ela, seus problemas começaram em 2005, quando as terras da família foram invadidas pelos chamados ‘campesinos’, os sem-terra paraguaios.


"Os campesinos vieram armados, roubando tudo que tínhamos, cavalos, ovelhas", diz.


A família, no entanto, conseguiu manter a casa que tinha, mas as histórias de vizinhos que foram ameaçados ou tiveram suas casas queimadas fez com que ela decidisse se mudar para o acampamento do MST.


Seu marido e seus filhos, no entanto, continuam no Paraguai, para cuidar das propriedades que restaram, entre elas, a caminhonete que trouxe Ana até o Brasil. Ela garante, no entanto, que a família deve se mudar para o acampamento em breve.


Movimento


A tensão entre os sem-terra paraguaios e proprietários de terra brasileiros não são recentes.


Já em 2008, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota em que dizia que "a existência de ameaças e manifestações de animosidade contra comunidades brasileiras têm sido objeto de manifestações de apreensão por parte das autoridades brasileiras". O assunto teria sido inclusive tema de uma conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega paraguaio, Fernando Lugo, na ocasião.


Há cerca de seis meses, no entanto, o MST passou a enviar representantes ao Paraguai para se reunirem com membros destas comunidades e convidá-los a integrar o movimento no Brasil, de acordo com Evaldelson Orlando dos Santos, o ‘Cabeção’, coordenador do acampamento.


Segundo ele, pelo menos dois representantes do movimento ainda se encontram no país para se reunirem com os brasiguaios.


‘Racismo’


Conseguir um pedaço de terra no Brasil é um dos desejos de Bernardino Gella, nascido no Paraguai mas de origem brasileira.


Ele chegou ao acampamento há cerca de três meses, depois de as terras de sua família terem sido invadidas e a casa de seu irmão queimada.


Gella - que plantava soja e milho no Paraguai – acusa inclusive as autoridades policiais paraguaias de violência contra brasileiros.


"A polícia roubava coisas. Nos chamavam de ‘brasileiros porcos’", diz.


Outro acampado, o catarinense André Webler, também acusa a polícia de violência e diz que a hostilidade dos paraguaios para com os brasileiros é motivada por ‘racismo’.


"Eles são racistas. Tratavam mal a gente", diz.


Webler, que morou 42 anos no Paraguai, diz estar mais satisfeito com situação atual, no acampamento.


"Hoje eu me sinto mais feliz debaixo desta lona do que lá no Paraguai. Lá não há segurança, não há garantia", diz.



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