Pressionada pela mudança de posição dos Estados Unidos, que anunciou apoio à renúncia de patentes de vacinas contra Covid-19, a Comissão Europeia afirmou nesta quinta (6) que está "aberta a discutir" a ideia, como uma das "soluções pragmáticas e eficazes" para ampliar o alcance da imunização contra o coronavírus.
A renúncia a patentes exige aprovação unânime dos membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) e uma proposta foi apresentada em outubro por África do Sul e Índia; até a última reunião sobre direitos de propriedade intelectual (Trips), contudo, tanto os EUA quanto a União Europeia se opunham à quebra de patentes para as vacinas, sob o argumento de que isso inibiria a inovação industrial.
Suíça e Reino Unido, sedes de laboratórios farmacêuticos, também se opunham à medida. Entre os países em desenvolvimento, o Brasil foi o único a se manifestar em março contra a proposta, apoiada por mais de cem membros da organização.
Posteriormente, o governo brasileiro defendeu uma terceira via: mapear capacidade ociosa que poderia ser convertida para produção de vacinas, e convencer as farmacêuticas a transferirem tecnologia, de forma voluntária. No entanto, iniciativa semelhante da Organização Mundial de Saúde, feita em outubro do ano passado, naufragou.
Após o anúncio americano, ONGs disseram nesta quarta que pode crescer a pressão sobre o governo brasileiro para que mude sua posição na OMC, e levar a Câmara a aprovar o projeto de lei de suspensão de patentes que passou no Senado na semana passada.
A pressão por uma dispensa temporária dos Trips, que já era uma prioridade da nova diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, cresceu com o agravamento do caos sanitário na Índia, onde as mortes diárias por Covid-19 tem superado as 3.000, aumentou.
Embora tivesse se declarado contra a quebra de patentes em entrevista recente, a presidente da Comissão (Poder Executivo da UE), Ursula von der Leyen, disse na manhã desta quarta que o bloco "está pronto para discutir" a proposta dos EUA. Mas, adendou, a prioridade no curto prazo deveria ser que "os países produtores de vacinas e insumos permitam a exportação e evitem medidas que interrompam as cadeias de abastecimento".
A UE, um dos maiores produtores, exportadores e consumidores de vacinas do mundo, tem adotado a posição de que o principal gargalo para ampliar a vacinação está na capacidade de produção, e não nos direitos de propriedade intelectual.
Mas, além da questão industrial, há também um problema de distribuição dos imunizantes: mais de 80% das doses aplicadas no mundo foram dadas em países de renda alta ou média alta, enquanto os países mais pobres receberam menos de 1% das ampolas.
Em entrevista nesta quarta, a porta-voz de Von der Leyen, Dana Spinant, argumentou que a UE é a principal financiadora de esquemas de distribuição de vacinas para países pobres -como o Consórcio Covax, para o qual doou 1 bilhão de euros (cerca de R$ 6,45 bi). O bloco também exportou 178 milhões de doses desde 29 de janeiro deste ano (a maioria, no entanto, foi para países ricos, como Reino Unido, Canadá e Japão).
Mesmo que UE e outros opositores mudem de ideia, não haverá mudança na questão das patentes no curto prazo. A expectativa é que os EUA apresentem agora uma proposta própria, cuja negociação pode levar meses.
Para analistas, as declarações americanas podem ajudar governos a pressionarem pelo licenciamento de produtos e transferência de tecnologia, como os que já foram feitos pela AstraZeneca com seu imunizante desenvolvido em conjunto com a Universidade de Oxford -versões genéricas são produzidas sob licença em fábricas da Coreia do Sul e da Índia.
A transferência de tecnologia é considerada fundamental no caso de produtos como os da Pfizer/BioNTech e Moderna, que usam plataformas novas e sofisticadas para obter os imunizantes