O grupo formado por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs) conquistou espaço maior nos últimos anos. Um exemplo disso é de que, neste ano, Londrina realizou a sua primeira parada LGBT. Contudo, as conquistas desse grupo não são aprovadas por todas as parcelas da sociedade, sob diferentes argumentações, dando origem, muitas vezes, a polêmicas. Nesse cenário tão dividido, o casamento gay, regulamentado há quatro anos no país, ainda não encontrou unanimidade.
Para ajudar o leitor a formar ou a rever uma opinião própria, o Portal Bonde, nesta última edição da série Debates, encomendou dois textos sobre casamento homoafetivo. O primeiro é favorável e é assinado pelo jornalista Lucas Peresin. O segundo, contrário, é do sociólogo e editor da Vide Editorial, Silvio Grimaldo.
Confira os dois textos abaixo e se permita refletir sobre o assunto.
A favor do casamento homoafetivo
Antes de explicar minha opinião favorável a respeito do casamento entre pessoas LGBTs, um fato precisa ficar bem claro: as lutas travadas já há tanto tempo pela comunidade LGBT – da qual muito orgulhosamente faço parte – nada têm a ver com vitimismo ou com a busca por uma "superioridade", como alguns insistem em categorizá-las. Muito pelo contrário, nossa luta é por justiça social. Nossa luta é em busca do fim de uma era que já demorou para acabar em que somos obrigados a contribuir com os mesmos deveres que todo cidadão deste país e recebemos, em contrapartida, direitos pela metade. Tendo isso esclarecido, posso prosseguir.
Eu sou absolutamente a favor do casamento LGBT. O mais interessante é que eu nem mesmo penso em casar – ao menos não por enquanto. Eu seria a favor mesmo que não fosse LGBT e o motivo é muito simples e nada muito ideológico. Nossa constituição diz sermos todos iguais em direitos e deveres perante a lei. Contudo, a comunidade LGBT tem figurado na parte mais baixa da balança de desigualdade de direito desde sempre neste país. Perguntas simples: por que é que na hora de pagar meus impostos eu devo pagar o mesmo que qualquer cidadão cis-hetero e na hora de casar com quem eu bem entender meu direito seria negado? Seriam as condutas que fogem do padrão heteronormativo realmente tão marginalizadas se nossas leis seguissem a premissa de corresponderem à ordem de um Estado realmente laico? O direito ao casamento entre LGBTs realmente interfere tanto assim na sociedade a ponto de causar a ira e o ódio amplamente difundidos e que geram até mesmo crimes contra nossa comunidade? Nós temos as respostas a todas essas perguntas. Essas respostas dão base à nossa luta (quase ganha) por direito ao casamento igualitário. Entretanto, essas perguntas parecem ser ignoradas por tanta gente que prefere disseminar o ódio passional arraigado na cultura cristã ao invés de agir racionalmente e ponderar que justiça social se faz com direitos iguais a TODOS.
Aproveito o espaço para dizer que nossa luta está longe do fim. Para garantirmos direitos iguais num país onde as minorias sociais ainda são tão postas à margem, é preciso que se criem leis específicas que garantam a essas minorias um princípio básico da sobrevivência em sociedade – a dignidade. É impossível que atinjamos a igualdade de direitos enquanto qualquer integrante da comunidade LGBT não possa sair na rua sem se preocupar com a possibilidade de voltar para casa vivo ou não apenas pelo fato de ser quem é.
Autor: Lucas Peresin, jornalista
Contra o casamento homoafetivo
Antes de falar em casamento gay, é importante saber o que é e para que serve o casamento. O matrimônio tem duas finalidades: a satisfação do interesse individual, seja por qual razão for amor, dinheiro, sexo e por aonde mais andar a fantasia humana e o interesse comunitário, que se orienta para a fundação da família. Um é a pura fruição individual, o outro, a doação social. Essas duas finalidades, embora de tendências contrárias, coexistem em todo casamento. São elas que garantem tanto a felicidade dos nubentes quanto a sobrevivência da comunidade. O casamento entre dois cônjuges está sempre aberto à participação de um terceiro elemento, a prole, que é o representante da sociedade no matrimônio. Por meio desse terceiro, o casal se liga a outra família, e esta união gerará uma terceira família, e assim por diante. Essa responsabilidade social é historicamente o fundamento da relação duradoura de que necessitam a prole e a comunidade (já que os interesses imediatos dos cônjuges podem mudar como mudam as estações) e a fonte dos chamados direitos de família.
Sob esse ponto de vista, a expressão casamento gay é apenas figura de linguagem, pois os cônjuges, pela natureza da união, estão impedidos de ir além da mera fruição individual do parceiro. Além disso, sem a complementariedade sexual entre homem e mulher, não há razão objetiva para a união se limitar a duas pessoas. Sem seu fundamento social, o "casamento gay" poderia ser contraído entre duas, três, 11 pessoas, em infinitas combinações.
Se a coabitação homossexual for equiparada, jurídica e socialmente, ao casamento, as infinitas combinações matrimoniais e seus desdobramentos jurídicos criariam o caos em questões como guarda de filhos, herança, divórcio, pensão, benefícios sociais e trabalhistas, planos de saúde etc, tornando o fundamento último do direito o poder discricionário do Estado. Sem garantias definidas a priori, uma vez que o legislador não teria mais um fundamento real sobre o qual construir o edifício jurídico, o direito se torna a vontade do Estado. E o que havia surgido como uma reivindicação por mais direito e liberdade se converte no aumento do poder estatal sobre os indivíduos e na consequente perda de autonomia da comunidade. É mais um engodo da modernidade e da mentalidade burguesa, que oferecem um direito nominal e aparente a um grupo para obter um maior controle real sobre a sociedade.
O casamento gay, portanto, é uma das estratégias para realizar o sonho do tirano fascista Benito Mussolini: "Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado".
Autor: Silvio Grimaldo, sociólogo e editor da Vide Editorial