Londrina

UEL reserva até 100% das vagas em residência médica para cotistas e revolta estudantes

25 out 2024 às 15:23

O edital de distribuição de vagas para residência médica na UEL (Universidade Estadual de Londrina), publicado na última segunda-feira (21), causou revolta entre os estudantes de Medicina da universidade. Isso porque algumas especialidades oferecidas não estão disponíveis para ampla concorrência, apenas para candidatos pretos, pardos e PcDs (Pessoas com Deficiência).


A peculiaridade só foi explicada, por meio de um novo edital, cerca de um mês após o fim das inscrições. A falta de transparência levou diversos estudantes esperançosos pelas vagas a pagarem a inscrição de R$ 692. Eles souberam só depois que não têm direito às oportunidades.


As vagas disponíveis para especialização em Psiquiatria, Dermatologia, Oftalmologia e Cirurgia do Aparelho Digestivo, de acordo com o edital, só poderão ser ocupadas por pessoas que se adequem a alguma cota. Psiquiatria e Dermatologia, por exemplo, são as especialidades mais concorridas da residência, com 134 e 115 inscritos, respectivamente, para 3 vagas disponíveis para cada, todas destinadas a estudantes pretos ou pardos (1 vaga) e PcDs (2 vagas).


Logo após a divulgação, diversos estudantes se manifestaram nas redes sociais. Alexandre Bissoli, graduando do 6º ano de Medicina, concorrente à residência de Anestesiologia e um dos coordenadores dos demais alunos foi um dos reclamantes. "Nós, estudantes da UEL, estamos indignados com o edital de residência da nossa faculdade. A quantidade de vagas ofertadas para cotas foi calculada em cima do total de inscritos de cada área e não do total de vagas do curso. Não há vagas [em concorrência] universal para Oftalmologia, nem para Psiquiatria", explanou no Instagram.


Ele disse, em entrevista ao Portal Bonde, que o sentimento dos alunos prejudicados, assim como de grande parte da comunidade médica, a quem eles buscaram apoio, foi de "grande espanto". "Não houve mobilização alguma por parte da instituição de mudar a situação. Isso gerou grande revolta por parte de muitos estudantes e médicos que conciliam seus estudos com a conhecida alta carga de trabalho como médicos e internos de medicina, para, a menos de 3 semanas para a prova, serem surpreendidos pela impossibilidade de ampla concorrência."


Ele, que concorre a apenas 20% das vagas disponíveis em sua especialidade, ressaltou que o edital de distribuição de vagas deixou todos revoltados. "Essa distribuição de vagas foi posterior ao prazo de inscrições, levando os candidatos a se sentirem enganados pela organização do concurso. Quem se inscreveria para um curso que não pode usufruir da vaga?", questionou.


Bissoli espera que o certame seja revisto. Caso não seja, não descarta o apelo à justiça. "Caso não exista essa iniciativa concreta por parte da instituição, não excluímos a possibilidade de entrar com processo judicial, a fim de garantir o direito à concorrência justa de todos os candidatos."


O diretor da AMB (Associação Médica Brasileira) e membro da Comissão Nacional de Residência Médica, Fernando Sabia Tallo, também se pronunciou sobre o assunto. Ele repudiou o processo seletivo da universidade.


"Se outras universidades fizerem a mesma coisa, nós vamos excluir a maioria de ter a chance de entrar na residência médica? Essa vai ser a nossa opção de processo seletivo? Ninguém vai fazer nada? Isso é uma coisa absurda! Fica o meu mais absoluto repúdio à UEL", comunicou em um vídeo publicado no Instagram.


A UEL foi procurada pela reportagem para esclarecer os fatos. A instituição respondeu, por meio de nota, que "o edital foi elaborado no sentido de efetivar a política de cotas e garantir a ampla concorrência entre todos os candidatos - portadores de diploma de médico ou estudantes do último ano do curso de Medicina". 


A nota também explicou que a política de cotas foi recomendada pelo Ministério Público e que foi utilizado um algoritmo que aplica a reserva de vagas em especialidades que receberam inscritos cotistas. Neste ano, das 31 especialidades médicas que ofertaram vagas, somente 9 receberam inscrições de candidatos negros, indígenas e PcDs. "Foi nestas especialidades que a reserva foi efetuada, por meio da aplicação do algoritmo, com critério objetivo, imparcial e impessoal", defendeu-se a universidade em outro trecho.


A UEL também salientou que todas as decisões foram tomadas amparadas na legislação estadual e federal e que "somente cotistas que atingirem a média terão direito à reserva de vaga, caso contrário, a vaga é destinada à ampla concorrência. Com isso, os candidatos da ampla concorrência disputam todas as vagas ofertadas pelo edital".


A classificação final da Residência Médica da UEL será publicada em 20 de dezembro. As aulas têm previsão de início para 1° de março de 2025.

Advogado diz que cabe processo


O advogado Rafael Munhoz Fernandes, do escritório especializado em concursos públicos e processos seletivos Munhoz Fernandes, disse à reportagem que o edital polêmico da UEL é passível de recurso na justiça e abre margem para processos contra a universidade.

"De acordo com a Lei 12.990/2014, a reserva de vagas para negros, pardos e indígenas deve ser aplicada em concursos públicos sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. A legislação visa garantir uma maior inclusão e representatividade de grupos historicamente marginalizados, sem, no entanto, prejudicar o direito de ampla concorrência", analisou Fernandes.

Segundo ele, as especialidades direcionadas integralmente aos cotistas, como Dermatologia e Psiquiatria, podem ser vistas como um erro na aplicação da lei.

"A lei sugere a reserva de parte das vagas, e não a totalidade delas, para garantir um equilíbrio. Ao destinar 100% das vagas para cotistas, a universidade pode ter comprometido o princípio da ampla concorrência, que também precisa ser resguardado."

O advogado pondera que as cotas são fundamentais para corrigir desigualdades sociais e raciais no país, mas não podem ser aplicadas de qualquer maneira e que é necessário um equilíbrio entre inclusão e justiça.

"As cotas são uma ferramenta poderosa para corrigir desigualdades, mas precisam ser aplicadas de forma precisa e dentro dos limites estabelecidos para garantir que ninguém seja prejudicado", ressaltou.

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