Ela é jovem, bem de vida e trata os avós com crueldade teutônica. Afetações interpretativas à parte, a personagem Dóris, vivida por Regiane Alves na novela ''Mulheres Apaixonadas'', suscitou uma série de debates em torno da forma como a sociedade brasileira vem tratando os cidadãos da terceira idade.
Na semana passada, a Secretaria do Idoso de Londrina oficializou o Disque-idoso, que servirá para que sejam realizadas denúncias de maus tratos contra pessoas nesta faixa etária.
O serviço, que atende pelo telefone (43) 3373-0200, na verdade existe desde 2000, quando a secretaria foi criada, mas ainda não havia recebido este nome. ''Com a alcunha Disque-Idoso, achamos que será mais fácil manter o serviço na memória das famílias e dos idosos'', acredita a diretora de atendimento ao idoso da secretaria, Genilda Pozzetti Stabile.
Segunda ela, a proposta do serviço surgiu durante a 2ª Conferência do Idoso, em agosto. Até o final de 2003, o serviço terá o mesmo número da secretaria, mas a idéia é que a partir do ano que vem seja disponibilizado um canal exclusivo.
Nos moldes antigos, o disque recebia seis ligações por dia. A julgar pelos números registrados em três anos, Londrina pode ser considerada uma cidade meio Dóris. Segundo estimativa da diretora, foram recebidas cerca de mil denúncias desde 2000.
Segundo a assistente social Letícia Lea de Barros, não é possível apontar, pelo número de denúncias, se Londrina é uma cidade que maltrata mais ou menos seus idosos em comparação a outros municípios. ''Não existe termômetro para medir isso'', diz. A secretaria está realizando uma pesquisa englobando números dos últimos anos, que apontará o perfil dos maus tratos ao idoso em Londrina. O estudo deve ficar pronto até o final do mês.
No meio das estatísticas frias, constarão tristes histórias de vida, com toques de negligência, ingratidão e perda. A própria Letícia confessa que ''perde o sono'' ao se lembrar dos casos mais revoltantes que já acompanhou - como a situação de um homem de 75 anos, portador de doença mental, atualmente num asilo. ''Ele morava numa casinha nos fundos da residência dos filhos, sem janela ou porta. Vivia abandonado e estava sempre sujo. Os filhos só davam banho nele quando ele tinha que receber o homem que ia levar o dinheiro da aposentadoria.''
A assistente social conta que os maus tratos são comumente associados à agressão física, mas a abrangência do termo é maior. ''São considerados maus tratos também agressões verbais, abandono, agressão psicológica e ausência de condições para o idoso se manter, como o não-pagamento de aposentadoria'', aponta. Ou seja, qualquer desrespeito a quem um dia, na época da juventude, já pareceu ter tudo e agora vem recebendo pouco.
Letícia relata que toda denúncia que passa pelo telefone é apurada. Ela relata que as denúncias mais corriqueiras são as de abandono familiar. Também são comuns os idosos que não recebem aposentadorias. ''Nesta geração que agora está envelhecendo, muitos eram lavradores e têm dificuldade para comprovar anos de serviço'', explica.
Os grandes inimigos da assistência ainda são o sigilo familiar e até mesmo a falta de consciência dos idosos. ''Muitas mulheres, principalmente, tiveram a uma vida de repressão. Estão acostumadas a serem maltratadas primeiro pelo pai, depois pelo marido, e aí pelos filhos. Aos 70 anos, uma mulher nestas condições sente que já não há o que fazer, então não busca ajuda'', argumenta Letícia.
No trabalho da Secretaria do Idoso são providenciados benefícios, acordos com as famílias e transferência para asilos. A assistente comemora que, recentemente, a consciência em torno da figura do idoso tenha crescido e os próprios representantes da terceira idade estejam interessados em exigir respeito.