Na platéia da maior feira agropecuária da América Latina, centenas de agricultores e pecuaristas, de latifundiários a sem-terra, carregados de cartazes e faixas pediam, de um lado, a liberação, e de outro o banimento dos transgênicos. "Vamos discutir com a responsabilidade que um país do tamanho do Brasil tem no mundo. A partir daí, teremos então, com base na sustentação científica, uma diretriz que valerá para todo o território nacional". A sentença foi pronunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 5, em Esteio (RS), durante a abertura oficial da 26ª Exposição Internacional de Animais (Expointer).
No politizado solo gaúcho, esse debate hoje internacional encarna-se numa questão bastante concreta. Segundo dados da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, 80% dos 150 mil sojicultores do estado plantaram na última safra sementes de soja geneticamente modificada, o que representa uma colheita de mais de 8 milhões de toneladas do produto. O total de 9 milhões de toneladas de soja produzidos pelo estado representa 16% de toda a produção brasileira. Liberar ou não o plantio é uma questão que envolve algumas dezenas de bilhões de reais.
O presidente deixou claro na Expointer. Ainda que o assunto esteja em discussão interministerial, será sua a decisão final em torno da polêmica dos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. E mais: Lula declarou que vai privilegiar os argumentos da ciência em detrimento das questões ideológicas que se cristalizaram em torno da discussão.
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"Imagine que o Ronaldinho fosse contratado pelo Inter. Que motivo o time teria para querer cedê-lo para o Grêmio?", comparou o deputado Adão Pretto (PT-RS). A "metáfora futebolística", lançada durante audiência pública sobre a situação financeira da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), na última terça-feira (9), foi considerada pelos demais parlamentares da Comissão de Agricultura da Câmara Federal como de inspiração presidencial.
Pretto referia-se à questão da soja transgênica. "Não se trata de ideologia", afirmava. O deputado levantava suspeita sobre a Monsanto, multinacional proprietária da patente da soja "Roundup Ready" - modificada geneticamente para resistir ao herbicida do mesmo nome. A empresa teria interesse em que o Brasil adotasse a variedade para que, em alguns anos, nossa produção caísse e os Estados Unidos assumissem definitivamente a liderança do mercado mundial da soja.
Quatro dias depois dessa cena, a Via Campesina, organização que envolve entidades rurais no mundo todo e, no Brasil, é formada pelo Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores, Pastoral da Juventude Rural, iniciou em Brasília um ato político que deve movimentar esse debate nos próximos 30 dias. Eles realizam desde sexta (12) o Acampamento Nacional Contra os Transgênicos, pela Soberania do Brasil e Alimentação Saudável.
Segundo um dos organizadores do evento, Adilson Gumieiro, cerca de 600 pessoas vão andar por toda a cidade, inclusive nos corredores do Congresso, para divulgar o ponto de vista das entidades nessa discussão. "A intenção é levar o Congresso a respeitar e ouvir o povo com relação à questão dos transgênicos no Brasil, porque essa história toda está mal explicada", diz ele.
Até o fim do acampamento, a Via Campesina deverá entregar ao governo uma carta em que estarão contemplados os pontos defendidos pelas organizações que formam o movimento contra os transgênicos. Os participantes do movimento argumentam que não são contrários à pesquisa, apenas querem saber se os transgênicos causam impacto no meio ambiente e na saúde humana. "Esperamos um projeto denso, que debata biossegurança, diversidade e tecnologia", explica Gumieiro.
Se a busca for por um debate objetivo, pode haver consonância com as ações do governo. É o que garante o ministro interino da Agricultura, Amauri Dimarzio. Ele explica que a finalidade, na elaboração do texto do projeto de lei, da qual participam representantes de 13 ministérios, é obter "o melhor para termos uma legislação de biossegurança que permita com que a pesquisa e a liberação de plantas modificadas geneticamente seja feita de forma totalmente segura".
Dimarzio afirma que não existem divergências entre os ministros na parte do debate que envolve a biotecnologia de modo geral - e não a questão específica da soja da Monsanto. "Todos nós consideramos a biotecnologia uma ferramenta importantíssima no melhoramento genético em toda a agropecuária", diz. Os ministérios envolvidos na elaboração do texto são Planejamento, Agricultura, Meio Ambiente, Saúde, Ciência e Tecnologia, Fazenda, Desenvolvimento Agrário, Justiça, Desenvolvimento, além da Casa Civil, secretaria de Comunicação, secretaria-geral da Presidência e Advocacia Geral da União.