Poucos dias depois de o governo aprovar na Câmara o novo valor de R$ 545 para o salário mínimo, economistas apontam que é insustentável e nociva às contas públicas a regra de reajuste desta remuneração. Desde 2007, o mínimo varia de acordo com o INPC do ano anterior mais o PIB registrado dois anos antes. De acordo com os especialistas ouvidos pela Agência Estado, o mais razoável é pagar a inflação e a evolução da produtividade total do País registradas no ano anterior. Segundo estimativas de alguns técnicos, a produtividade registrou avanço de 1,5% nos últimos anos.
Pela regra atual, os especialistas apontam um avanço substancial nos próximos anos do déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que atingiu R$ 42,89 bilhões em 2010. Segundo o ministério da Previdência Social, do total de 28 milhões de beneficiários do INSS, 19,3 milhões recebem até um salário mínimo. Nos cálculos de Borges, metade daquele saldo negativo está relacionado diretamente com o salário mínimo, o que equivale a um montante próximo a R$ 21,5 bilhões. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que para cada R$ 1 de aumento do mínimo as despesas do governo aumentam em R$ 300 milhões.
"Com base na atual fórmula de reajuste do mínimo, se a regra for mantida até 2015, como prevê o projeto do governo que está no Congresso, o que hoje é um déficit de R$ 21,5 bilhões vinculados aquele vencimento subirá para R$ 62 bilhões ao final de 2014", comentou Braulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. Para chegar a este cálculo, ele usou como uma das premissas que o PIB deve avançar a média de 3,8% entre 2009 e 2012.
O economista é um dos defensores que a regra leve em consideração a alta da inflação, mais a produtividade total da economia. Segundo esse critério, aquele montante deve chegar a R$ 40 bilhões em 2014. A diferença de R$ 22 bilhões equivale a 47,8% dos R$ 46 bilhões gastos pelo Poder Executivo com investimentos no ano passado, como destaca o diretor do Eurasia Group para a América Latina em Nova York, Christopher Garman.
Impacto fiscal
O avanço do aumento do mínimo pela atual regra já se tornou uma preocupação dos economistas com o equilíbrio das contas públicas no curto prazo. "Em 2012, o governo terá que fazer mais um esforço fiscal grande, pois precisará encontrar uma maneira para cobrir os gastos de R$ 22,5 bilhões que surgirão com o aumento do mínimo de R$ 545 para R$ 620 no próximo ano", destacou o economista da Tendências Felipe Salto. Ele lembra que em 2003, quando o salário mínimo subiu 9,8% em termos reais, o Poder Executivo precisou fazer alguns cortes para compensar aquele reajuste do vencimento. Os investimentos públicos foram reduzidos em 0,5 ponto porcentual do PIB e as despesas de custeio diminuíram em 0,3 ponto porcentual do produto interno bruto.
Na avaliação de Salto, uma boa forma de reajustar o mínimo seria o pagamento da inflação mais a produtividade da economia. Contudo, ele acredita que tal mudança, na prática, só será avaliada pelo Poder Executivo no ano que vem para entrar em vigor em 2013. "Está implícito que o governo vai manter a regra atual em 2012, pois foi um dos argumentos utilizados pela autoridades para aprovar o mínimo de R$ 545 neste ano", ressaltou. Excepcionalmente, o mínimo de 2011 não contou com a alta do PIB dos dois anos anteriores, pois em 2009 o produto interno bruto caiu 0,6%.
Para o professor José Márcio Camargo, da PUC-RJ, além da regra do reajuste do mínimo ser "ruim para as contas públicas", seria adequado que uma nova fórmula fosse adotada, que poderia também evitar pressões de alta da inflação decorrentes de elevações muito fortes do vencimento básico da economia. Segundo ele, além da inflação mais a variação da produtividade da economia, seria oportuno subtrair a variação do nível de emprego. "Desta forma, quando o desemprego aumenta, o indicador apresenta uma alta maior do que a produtividade e o inverso ocorre quando o nível de desocupação cai", afirmou.
De acordo com Camargo, o reajuste também precisa ser desvinculado da remuneração do benefício da Previdência Social, pois tende a elevar com força o déficit do INSS. Ele destaca que hoje 6,8% da população do Brasil tem pelo menos 65 anos e gasta 13% do PIB em aposentadorias e pensões. Essa realidade raramente tem paralelo em outros países. Segundo o acadêmico, a Alemanha a parcela da população com aquela faixa etária é bem maior, de 20%, mas os gastos são próximos em termos relativos, pois atingem 14% do produto interno bruto. "O Brasil gasta 15 vezes per capita com aposentadorias e pensões em relação às despesas com ensino médio e fundamental", comentou.
Alguns economistas ressaltam que o aumento mais vigoroso do mínimo foi importante para diminuir a discrepância de renda no Brasil, que ainda possui um nível ruim de distribuição. "Não se pode satanizar o salário mínimo", comentou o professor Francisco Lopreato da Unicamp. "O avanço do mínimo nos últimos oito anos deu o direito à compra e alimentos e outros produtos duráveis a uma parcela grande da população que estava alijada do consumo básico", comentou o professor Francisco Lopreato da Unicamp,
"A adoção do PIB de dois anos anteriores à regra de reajuste do mínimo foi justa. Ela deu um bom tempo para que os empresários pudessem repassar aos trabalhadores um pouco dos benefícios que registraram anteriormente com a expansão da economia", destacou Lopreato. Ele é favorável a uma nova fórmula de alta do mínimo, desde que faça parte de uma mudança geral de alguns parâmetros que regem o sistema de aposentadorias no Brasil. "O limite de idade atual poderia ser revisto, dado que a expectativa de vida no País avançou e está próximo do registrado em países desenvolvidos", disse. "Não é razoável que pessoas se aposentem com 48 anos de idade."