O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, condena a atitude de governantes que usam o cargo e a máquina pública no processo eleitoral e lembra que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem se posicionado de forma efetiva em relação ao problema. Ele diz que é necessário que se faça mudança a partir de agora, em razão do mau exemplo dado pelo presidente Lula, que se comportou como cabo eleitoral na campanha: "O presidente da República avançou, e muitas vezes, o sinal, e a Justiça Eleitoral demorou muito para acender o sinal vermelho para ele. As multas foram bastante irrisórias, mas era o que a lei proporcionava nesse momento."
Ophir informa que a OAB, que nesta semana está completando 80 anos, pode encabeçar uma mudança no sistema política a partir de seminário que a entidade realiza nesta semana, em Brasília, chamado Reforma política, um projeto para o Brasil: "Vamos discutir durante três dias qual o Brasil que queremos em termos de política. Vamos discutir os sistemas partidário, eleitoral e de governo", diz o presidente nacional da OAB.
O advogado condena a intenção do governo de instituir censura aos meios de comunicação no Brasil. "A informação tem de ser livre, protegida pela Constituição e pela sociedade. Não pode haver retrocesso nessa questão", afirma. Ele também critica o imbróglio do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). "Quem errou nessa questão tem de pagar. Milhões de estudantes estão sendo prejudicados. Se for preciso fazer outro exame, que se faça, mas os R$ 182 milhões terão de ser repostos por quem errou, seja na administração federal seja o contratado que não honrou com seus deveres."
Esses e outros temas estão na entrevista a seguir, concedida na quinta-feira, 11, na sede da Seccional de Goiás, pelo presidente nacional da OAB aos repórteres Cezar Santos e Danin Júnior jornal Opção, de Goiás:
Pergunta: Como a OAB está acompanhando essa lambança do governo federal como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)?
Ophir: Vemos com muita preocupação. A partir do momento que essa questão toma o rumo do Judiciário, se não tivermos bom senso e não abandonarmos as vaidades, ela vai se eternizar. Quem vai ser prejudicado nisso tudo é o aluno, aqueles 3,3 milhões de brasileiros que fizeram o teste com a perspectiva de ingressar em uma universidade pública e não vão saber como ingressar. Vai engessar tudo. Então, é necessário que se tenha uma solução rápida, que não demore, com a consciência de que se for preciso fazer um outro teste, faça-se um outro teste. Infelizmente, vamos gastar mais R$ 180 milhões, mas é necessário que se dê uma resposta. Agora, em relação àqueles R$ 182 milhões que foram perdidos, alguém vai ter de repor, seja quem errou na administração, seja o contratado, que não honrou com os seus deveres. Por isso é necessário que, ao mesmo tempo em que se delibere se vai ter um novo teste, se será parcial ou integral, que se cobre de quem foi responsável por esse erro.
Poucos dias depois da eleição, vem a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), falar da volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), um imposto que foi derrubado no Congresso há pouco tempo. Isso não é estelionato eleitoral, já que em nenhum momento o tema foi tocado na campanha?
Não tenho dúvidas de que essa questão da CPMF foi lançada como uma ação articulada entre os eleitos para jogar nos braços da sociedade a irresponsabilidade pela gestão pública do Estado brasileiro. Isso precisa de uma reação, a Ordem prontamente reagiu a essa proposta. Entendemos que essa proposta não foi discutida durante as eleições. Nenhum movimento - eu desafio qualquer um que me mostre - colocou em sua plataforma de campanha o retorno da CPMF, seja na discussão para governos de Estado, seja na discussão para a Presidência da República. Nenhum governante colocou isso. Trazer essa matéria agora esgotado o processo eleitoral, é um golpe. E, quando há golpe, temos de reagir. Por isso, a sociedade não pode consentir com o retorno da CPMF.
Por falar em eleição, alguns juristas, especialmente os que trabalham na área do Direito Eleitoral, dizem que houve certo tumulto nesse processo da Lei da Ficha Limpa. A OAB é co-partícipe na apresentação popular da lei. Qual sua avaliação dessa confusão?
Toda lei nova, quando entra em vigor e quando mexe com direitos de pessoas que estão envolvidas em disputa eleitoral ou em qualquer outro tipo de disputa, sempre causa dúvidas, perplexidades. O próprio Judiciário se vê diante de uma nova norma que entrou em vigor e que modificou a relação anterior de respeito ao tratamento de questões importantes, como das candidaturas e inelegibilidade. Obviamente, ela vem e causa certo pânico e confusão e leva certo tempo para ser clareada. Por isso, compreendemos as idas e vindas em relação à interpretação da lei e essa insegurança que gerou em determinado momento. Isso ficou muito claro, inclusive por parte do próprio Superior Tribunal Federal (STF), em relação à eficácia da lei para estas eleições. Então, isso, obviamente, causou uma insegurança relativa na sociedade, mas, sobretudo no direito das pessoas de se candidatar. Tenho que reconhecer que ela causou isso. Mas, por outro lado, ela apontou, e nesse aspecto a Ordem entende que ela é constitucional, não só porque a defendeu desde o início, mas porque entende que ela, com base no artigo 14 da Constituição Federal, estabeleceu um requisito de inelegibilidade não previsto na própria lei anterior, a Lei Complementar de 1990. Isso significa que as pessoas que queiram se candidatar não devem ter condenações judiciais, sobretudo em relação a terem praticado crimes, condutas que são consideradas imorais, etc. Por isso, a lei modifica costumes, nos traz uma perspectiva nova e teve um efeito revolucionário, que foi o de o próprio eleitor ter consciência de que ele poderia eleger pessoas sem essas manchas entre aspas, no seu passado ou em suas condenações judiciais, por improbidade, etc., e excluí-los através do voto. Muitos daqueles que tinha problemas com a Justiça não foram eleitos. E nos parece ser o grande avanço para que se crie uma nova cultura para melhorar o quadro daqueles que fazem política no Brasil.
Não se discute o mérito da nova legislação. Mas a aplicação dela já neste ano não foi um pouco açodada?
Não vejo que tenha sido açodada. Na verdade, ela só teria sido inconstitucional, a meu ver, se retroagisse para prejudicar o mandato daqueles fichas sujas que estavam eleitos e exercendo seu mandato. Ao dizer que a regra agora, que a sociedade quer, é essa, ela abriu um novo caminho. É como se tivéssemos uma decisão, através da soberania popular, com base na Constituição Federal, aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo presidente da República, dizendo que a regra do jogo agora é outra. Isso não me parece modificar o direito político de quem quer que seja de participar. O que não pode é se continuar vivendo aquela situação em que as pessoas eternizavam as demandas judiciais para se beneficiar dessas demandas no que diz respeito ao não trânsito em julgado. Agora, está havendo uma condenação por um colegiado, em que a pessoa está sendo impedida de participar de um processo político. Muitas vezes essas pessoas zombavam de nós, zombavam dos eleitores, no sentido de que faziam, aconteciam, eram condenadas, com contas rejeitadas nos tribunais de contas, tinham improbidade administrativa dita por tribunais, e continuavam com o argumento de que não era um trânsito em julgado. Se eternizando na política, e muitas vezes tentando se louvar nas imunidades parlamentares, que muitas vezes cheiram a impunidades para determinadas pessoas, para não responder e para continuar se candidatando. E a sociedade não atentava para isso. Então, a Lei da Ficha Limpa teve esse aspecto da revolução cultural em chamar a atenção da sociedade. O número de pessoas que foram rejeitadas pelo voto em razão da Ficha Limpa é bastante expressivo.
O sr. não acha que o processo eleitoral deste ano, especialmente a campanha presidencial, não foi viciado pela participação direta do presidente como um cabo eleitoral? Como a OAB enxergou isso?
As inúmeras aplicações de multas impostas por tribunais uma hora chegou à mesmice. Eu não tenho dúvida de que o presidente da República, como todo governante e cidadão, pode ter seu próprio candidato. Deve ter seu candidato e pode declarar isso abertamente. Agora, a instituição Presidência da República, governo do Estado, prefeitura municipal não podem fazer campanha eleitoral. E isso é muito difícil de distinguir numa situação como essa, em que o governante está no poder e quer eleger seu sucessor. É necessário mudança a partir de agora, em razão dessa experiência de vida, em que o presidente da República avançou e muitas vezes o sinal, e a Justiça Eleitoral demorou muito para acender o sinal vermelho para ele, as multas foram bastante irrisórias, mas era o que a lei proporcionava nesse momento.
Isso virou até motivo de chacota...
É necessário que avancemos agora na discussão de uma reforma do sistema eleitoral para balizar a participação de presidente da República, de governador, de prefeito nesses processos eleitorais de sucessão. Da forma como está é desigual, não tenho dúvida disso.
Na campanha ficou muito claro que o partido que está no poder usou quebra do sigilo fiscal de adversários, usando a Receita Federal. Como o sr. avalia essa situação, até como cidadão mesmo, pelo fato de um partido aparelhar um órgão público com evidente propósito eleitoral?
Temos que ter em mente que o Estado brasileiro é maior que qualquer partido. O Estado tem que ter respeitadas as suas características, sobretudo privilegiada a burocracia do Estado, e não trazer para o Estado pessoas ligadas a este ou aquele partido, a este ou aquele governante, usando uma expressão popular aparelhando o Estado para levar suas ideias e convicções, sobretudo as partidárias. O Estado está acima da política, está acima de partidos. Vencido o processo eleitoral, o governante que assumir a União, o Estado ou o município deve ter uma postura de governar para todos, para toda a sociedade. Não pode haver, sobretudo, o que se vê muito em prefeituras, em governo de Estado, e isso aconteceu em relação à União, é se desmantelar a máquina estatal e criar uma burocracia de governo, e não uma burocracia de Estado. Por isso defendemos concursos públicos sérios para todas as carreiras jurídicas. Queremos que haja a possibilidade de ascensão funcional, que haja uma carreira de Estado, em que as pessoas, independentemente de quem estiver à frente momentaneamente do poder, tenham que seguir aquela carreira. É claro que o governante determina as políticas públicas. Então, cabe a ele, que foi eleito com o voto popular, dizer que fazer essa política pública assim, assada e cozida. Só que não pode em nenhum momento atentar contra a Constituição. O voto legitima, mas não dá uma carta aberta, um cheque em branco, melhor dizendo, ao governante fazer o que quer, desrespeitando a Constituição.
Nessa questão específica a OAB tomou alguma iniciativa?
A Ordem criticou em todos os momentos a postura do presidente da República, a postura de governadores de Estado que desbordaram dos parâmetros da lei. E cobrou do Judiciário que fosse duro em relação às punições. A Ordem é uma voz da sociedade brasileira, ela tem uma limitação no sentido de atuar, sobretudo no processo eleitoral, e cabe nessa situação à Justiça deliberar e decidir e ao Ministério Público, como titular da ação, estar atento e denunciar os fatos. A Ordem sempre cobrou e vai continuar cobrando essa postura.
A OAB já se notabilizou historicamente pelo posicionamento em vários momentos importantes da Nação, como, por exemplo, a luta pela redemocratização do País. Hoje em dia, uma luta que a OAB poderia encampar não seria essa da reforma política? Porque se sabe que partindo da classe política vai ser difícil que ela saia da forma que a sociedade quer. Por exemplo, nesse caso da Presidência foi um abuso de poder político. E de poder econômico em várias campanhas. A OAB encamparia a apresentação de um início discussão de um projeto de reforma política, está em encaminhamento?
Sim. Nesta semana a Ordem estará completando, dia 18 e novembro, 80 anos de criação. E nós elaboramos um seminário chamado "Reforma política, um projeto para o Brasil". Vamos discutir durante três dias em Brasília, 16, 17 e 18, e vocês estão convidados a participar, qual o Brasil que queremos em termos de política. Vamos discutir os sistemas partidário, eleitoral e de governo. Serão três dias, vamos nos debruçar sobre isso e vamos ao final redigir uma carta à nação brasileira, que será entregue ao presidente do Congresso Nacional da próxima legislatura, para a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), apontando quatro ou cinco pontos, ou até mais, que são importantes dentro da concepção da OAB para que sejam discutidos já no próximo governo. Mas, independentemente a isso, vamos lançar uma proposta de uma lei de iniciativa popular, nos termos do Ficha Limpa, já apontando um caminho em relação a alguma proposta que seja possível fazer desde logo. Quero crer que há espaço para isso. Eu não posso de antemão divulgar qual será o tema dessa lei, mas a Ordem está atenta e vai trabalhar com a sociedade civil brasileira, com as 48 entidades que compõem o movimento de combate à corrupção, mais a CNBB, essa luta em favor de uma reforma política para o Brasil.
No que se refere à questão da censura aos meios de comunicação, o governo vem se movimentando em direção ao que seus partidários chamam de controle social da mídia, que no fundo é censura. Como a OAB se posiciona em relação a isso?
De uma forma bastante crítica, eu diria, muito forte. A liberdade de imprensa é um princípio constitucional que não comporta um milímetro sequer de intransigência. Nós não podemos, sob o argumento de se fazer um controle social da mídia, estabelecer a censura prévia. As informações produzidas pela imprensa têm que ter a proteção por parte da Constituição, por parte da sociedade. Não pode haver qualquer tipo de controle. Isso tem acontecido porque os governantes, infelizmente, não têm tido a compreensão de que a crítica é necessária, salutar, a crítica sempre responsável, claro. E essa fiscalização feita aos governantes incomoda muito. Governante adora quando a imprensa elogia, mas abomina quando a imprensa critica, quando a imprensa cobra. Por isso que é necessário que tenhamos essa proteção à imprensa brasileira. Não há democracia sem liberdade de imprensa, ela é um pilar da democracia nesse país, é uma cláusula pétrea na Constituição que não pode ser modificada.
O MST ocupa espaço na mídia, invade propriedades, comete vandalismo, destrói patrimônio público e privado, seus integrantes matam e, no entanto, ela não tem existência jurídica, não pode ser acionada. Qual é sua visão sobre isso?
O MST nasceu como um movimento de reivindicação de um segmento que não tinha seus direitos respeitados, que eram os sem-terra. Nasceu como uma forma de pressionar e de estimular a reforma agrária. É um movimento legítimo, só que no curso do tempo ele se desvirtuou e passou a ter confluências ideológicas, partidárias. Hoje o MST, efetivamente, não tem mais a formatação filosófica, sociológica, que teve em seu nascedouro. Tornou-se um movimento a serviço de um segmento ideológico e, às vezes, de alguns partidos. Por isso, lamentavelmente, perdeu a credibilidade. E aí, o que é pior: passou a utilizar procedimentos de violência, destruindo fazendas produtivas, destruindo laboratórios, enfim, algo que não se compatibiliza com a própria luta pela reforma agrária. Não se teve até hoje uma reforma agrária, não houve um governo democrático no País que tenha cuidado efetivamente da reforma agrária. Aí, leia-se, reforma agrária não como a simples entrega de lotes. Mas, sim, como uma reforma efetiva, em que se dê terra, se dê condições para produzir, se proteja o camponês e se deem condições para que ele escoe a sua produção. Então isso não se tem no Brasil. Reforma agrária não é entregar lote. Lamentavelmente, nenhum governo eleito popularmente passou disso.
Só que o governo financia o MST, que faz e acontece e fica por isso mesmo...
Infelizmente, essas ajudas que têm sido dadas, substanciadas com o nosso dinheiro para incentivar esse tipo de postura, precisam ser revistas. Isso não se compatibiliza com um Estado verdadeiramente democrático, de direito. Isso não tem a aprovação da sociedade brasileira, além de ser má utilização dos recursos públicos, e tem de ser corrigido por parte do Judiciário, do Ministério Público, que precisam enfrentar essa questão. Mas volto a repetir e quero deixar claro, a Ordem é a favor da reforma agrária. Há no País há uma concentração de renda exagerada. Há aqueles que ganham muito pouco e há aqueles que ganham demais. É necessário que se diminuam as diferenças. Isso, dentro de processo democrático, de respeito à Constituição. Tudo aquilo que desborda da Constituição, da lei, evidentemente não pode ter apoio da sociedade nem dos governos.
Retomando o processo eleitoral, algumas pessoas criticaram alguns temas de campanha, e eu até acho que foram debates axiológicos interessantes, como a legalização do aborto, a união entre pessoas do mesmo sexo. A OAB tem um posicionamento sobre esses temas ou ela faz como os políticos, que acham que tem de entregar para o povo a decisão em um referendo?
A Ordem discute todos os temas, em qualquer ambiente, não há dificuldade alguma para a Ordem enfrentar qualquer temática. A temática do aborto e da opção religiosa de cada qual é uma temática que está sempre presente em nossas discussões. Em todas as conferências nacionais, a gente discute essa matéria. A Ordem é a favor da vida e quer, cada vez mais, que as pessoas tenham condições de poder ter uma educação efetiva no que diz respeito às questões de saúde pública. Educação efetiva para permitir às pessoas decidirem se vão ter filhos ou se não. A Ordem quer que a saúde pública proteja essas pessoas, enfim. Mas, evidentemente, temos na advocacia, como em todos os segmentos da sociedade, pessoas que são contra e pessoas que são a favor do aborto. Pessoas que são a favor ou são contra o Estado laico ou o Estado não laico. Esses temas não são unanimidades na sociedade, porque dependem muito da formação de cada qual. O Conselho Federal da Ordem ainda não tem, hoje, uma posição fechada em torno do tema, se é contra ou a favor. Respeitamos as individualidades, respeitamos a opção de cada qual, mas somos sempre favoráveis à vida.
Cerca de 50 mil pessoas são mortas por ano no País. O problema da segurança tem sido visto com certa permissividade do Judiciário. Segundo uma expressão popular, a polícia prende criminoso e o Judiciário solta. Qual a visão da OAB com relação a essa questão da violência, da segurança pública, e com sobre essa acusação de que o Poder Judiciário não está funcionando a contento?
A violência e, de modo geral, a questão da segurança pública envolvem fatores sociais, ausência de políticas públicas, a questão educacional, a questão do emprego, enfim, tudo isso está em sua base, em sua raiz. Nós temos um fato social presente e que precisa ser enfrentado. Mas o que falta em relação a isso, a nosso ver, é o compromisso dos governantes e ações integradas entre União e Estados no sentido de se ter uma política nacional de combate à violência. Isso é algo que queremos ver se o governo Dilma e os governos estaduais, independentemente de serem alinhados ou não aos partidos que vão governar o Brasil, vão nos trazer. É necessário que se tenha a compreensão de que esse é um dever de todos os governantes. O dever de melhorar, cada vez mais, a segurança pública neste País.
E quanto à questão do Judiciário, as respostas do Judiciário em relação a essas demandas...
O Judiciário julga de acordo com a lei. Ele, evidentemente, tem falhado. Falhado no que diz respeito à morosidade com que tem julgado as questões. É necessário que o Judiciário esteja muito mais preparado estruturalmente. É necessário que haja um compromisso ainda maior dos juizes. Não é concebível que tenhamos no Brasil, pelo levantamento feito pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mais recentemente, 30% dos presos provisórios, em torno de 150 a 200 mil presos provisórios com anos e anos para serem sentenciados. As pessoas estão dormindo nas cadeias sem saber o dia em que serão julgadas. Então é necessário que o Judiciário deite um olhar sobre essa situação. O CNJ divulgou que não se tem, no censo de segurança pública do Estado do Pará - e isso deve ser parecido no Brasil inteiro -, a exatidão do número de presos que estão dentro do sistema penitenciário do Estado. Isso mostra como essa questão da segurança pública é o que assusta, é o que não tem tido a merecida atenção dos governos. Isso se tornou uma demanda da sociedade, tal qual existem demandas em relação à educação, à saúde. Qualquer governante, para se fazer um bom governo e pensar em uma reeleição, precisa cuidar bem da segurança pública. É inconcebível que nós, cidadãos, que saímos nas ruas, sejamos vítimas de assaltos, sequestros relâmpagos. Estamos vivendo nesse Brasil uma verdadeira guerra civil urbana. São 50 mil homicídios, fora outros crimes que não terminam com morte. Essa guerra civil urbana precisa de uma reação por parte do Estado. Agora, essa reação não pode ser isolada em uma unidade da federação. Até porque, quando você combate em um lugar, o criminoso vai para outro, e o crime organizado está presente em todos os momentos. Dizem até que o crime organizado já está presente até no financiamento de campanhas eleitorais. Então, a gente precisa cuidar disso porque é um problema social macro e é necessário que haja um olhar macro sobre isso e não um olhar micro, como tem sido feito até hoje. Resolve aqui, coloca a polícia no morro e tal e já está resolvido no Rio. Sim, mas aí o criminoso sai do Rio, vai para São Paulo, vem para Goiás. Então, é necessário um olhar nacional a respeito de uma política de segurança pública para nosso País.
Como o sr. avalia o anteprojeto do novo Código de Processo Civil?
O anteprojeto foi apresentado por uma comissão de notáveis e hoje está no Senado, sob a relatoria do senador Valter Pereira (PMDB-MT). A partir de um problema detectado, através de números, que é o da morosidade da Justiça brasileira, o projeto procura, sem prejuízo da atividade profissional do advogado e sem prejuízo da ampla defesa da parte, diminuir os gargalos existentes no que diz respeito ao andamento processual. Então, ele avança bastante nisso. É um código mais moderno. Evidentemente, será discutido e receberá críticas. A Ordem fez muitas críticas ao projeto. Muitas foram absorvidas, outras não. Acredito que o projeto ainda vai sofrer um processo de maturação. Talvez seja votado no Senado nesta legislatura e esperamos que isso aconteça. Mas ele não será resolvido tão cedo. Vamos discutir isso no próximo ano, já com a nova Câmara.
É preciso rever a questão do recesso forense?
Sim. Precisamos acabar com isso. O recesso forense de 19 dias é um plus que o magistrado e o membro do Ministério Público têm nas suas férias, que são de 60 dias. Isso tem de acabar e se estabelecer um período de férias coletivas de 30 dias e outro período de 30 dias, que os juizes e membros do Ministério Público poderão tirar de acordo com as escalas de cada um dos tribunais, sem haver a solução de continuidade na Justiça. Nesse período, que se sugere que seja no mês de janeiro de cada ano, todos poderão tirar férias, mas a Justiça continuará funcionando para analisar as questões urgentes para evitar perecimento de direitos, habeas-corpus, mandado de segurança, etc., com juízes de plantão. A Ordem defendeu, com a Emenda Constitucional 45, que se acabasse com todas as férias coletivas na Justiça. Isso se mostrou improdutivo do ponto de vista da racionalidade dos trabalhos do Judiciário. Por que acabaram as férias coletivas de 30 dias, tanto em janeiro quanto em julho, quando se parava o Judiciário. Ao acabar com essas férias coletivas, os juizes tiravam férias porque têm esse direito individualmente. Então, era convocado um juiz de primeiro grau para compor os tribunais. Esse juiz tinha um entendimento diferenciado, modificava a jurisprudência daquele tribunal e tudo aquilo que já tinha sido julgado de uma forma. Causava insegurança jurídica para as pessoas porque mudava a composição do tribunal. Então, em vez de ter um ganho de celeridade, os números demonstram que teve maior atraso. O que se quer agora é estabelecer janeiro com mês de férias para todo mundo. Nesse mês, só funcionarão os plantões. A partir de fevereiro, a Justiça brasileira vai funcionar ininterruptamente até o final de dezembro.
A advogada Delaíde Arantes, que está na lista tríplice para ingressar no Tribunal Superior do Trabalho, tem chance de ser nomeada?
Sim, a doutora Delaíde tem sido uma grande advogada trabalhista, reconhecida por toda a classe jurídica deste País. Ela foi uma das seis escolhidas pelo Conselho Federal da OAB [e posteriormente pelos ministros do TST para integrar a lista tríplice final, que será submetida ao presidente Lula da Silva]. Tenho certeza de que ela tem grande chance de integrar o TST, pela competência e pela seriedade. Agora, temos mais dois colegas advogados e eu não posso, nesse momento, dizer qual a minha preferência pessoal. Até porque consideramos que todos têm capacidade de integrar o TST.