Diante de uma inflação persistente e do endividamento das famílias em nível elevado, especialistas alertam que tem sobrado menos dinheiro para a poupança. A despeito de os depósitos terem superado os resgates em R$ 1,789 bilhão em março, na comparação com fevereiro houve recuo de 3,77% na captação líquida - frente a igual mês do ano passado a queda foi de 69,97%.
Somado a esse cenário de orçamento mais apertado, o aumento dos juros básicos (Selic), que passaram de 7,25% ao ano em abril do ano passado para 11% neste mês, diminuiu a atratividade da poupança e tem feito investidores migrarem da tradicional caderneta para fundos de renda fixa e títulos públicos.
Miguel Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), relata que depois da alta da Selic na última quarta-feira, quando a taxa passou de 10,75% ao ano para 11%, a poupança só ganha em rentabilidade de fundos de investimento que cobrem taxa de administração acima de 2,5% ao ano.
"Esse cenário não vai se alterar tão cedo, vamos continuar vendo redução de depósitos. Por outro lado, o cenário de baixo crescimento e inflação aumentou o compromisso financeiro das pessoas e sobra menos dinheiro para poupar", ponderou Oliveira.
Transição
Esse quadro de transição entre modalidades de investimento, segundo Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, fica evidente diante do movimento de saques em ritmo muito superior ao de depósitos. Enquanto as retiradas aumentaram 14,1% comparado com março do ano passado, os ingressos avançaram menos, 9,4%. "Se está ocorrendo um aumento das saídas, é um reflexo do comprometimento da renda com inflação e dívidas", explicou.
"Tem um efeito da inflação, que veio fortíssima em fevereiro e março e os orçamentos familiares sentiram bastante", argumentou Velho. "O pagamento de impostos neste início de ano coincidiu com o choque de alimentos e diminuiu a renda disponível."
A previsão do próprio Banco Central para a inflação deste ano mostra o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) muito próximo do teto da meta, de 6,5%, dado que reforça a avaliação dos especialistas sobre as limitações do orçamento do brasileiro. Segundo a projeção divulgada no mês passado, 2014 deve terminar com uma carestia de 6,1% e o risco de o custo de vida estourar o limite de tolerância cresceu, passou de 27% em dezembro do ano passado para 38% em março.
Preferência
Apesar da perda de competitividade, a poupança continua a ser um dos investimentos favoritos dos brasileiros. Entre os paulistanos, segundo pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), 74,1% dizem que a caderneta representa a sua principal aplicação.
Os depósitos, no mês passado, somaram R$ 118,400 bilhões, enquanto os saques totalizaram R$ 116,610 bilhões. Com o resultado de março, que inclui ainda R$ 3,013 bilhões de rendimentos creditados, o saldo total da poupança chegou a R$ 612,911 bilhões, ante R$ 608,108 bilhões no fim de fevereiro. Mesmo sendo classificada como a aplicação preferida do brasileiro, a caderneta perde, em estoque, para os fundos de investimento, que detinham, até 21 de março, uma carteira de R$ 1,974 trilhão, segundo informações do Banco Central.