Do arremate bilionário até o aguardado padrão internacional, muitos desafios estão na rota dos novos administradores do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão. O consórcio formado por Odebrecht Transport e Changi, de Cingapura, vai enfrentar uma cultura de serviços precários, uma delicada relação com órgãos públicos, além de um risco socioambiental subdimensionado.
Na cabeceira da pista, cerca de 11 mil moradores de três favelas vivem no local onde o edital de concessão prevê a terceira pista do terminal. A obra também prevê o aterramento de uma área de 900 mil km² da Baía de Guanabara, prejudicando a vegetação de manguezal da região e a atividade pesqueira.
"Ninguém é contra o progresso, mas a gente sofre e muito", resume o servidor estadual aposentado, César Melo, que mora em Tubiacanga há 50 anos. Como muitos ali, teme reviver as remoções para construção do Galeão, nos anos 1950, quando moradores do bairro Itacolomy foram expulsos com "truculência e violência", segundo ele.
Há duas semanas, a catadora Hilda Agostinho da Silva teve seu imóvel avaliado e seus documentos registrados por um profissional da prefeitura. Ela vive na favela Parque Royal há 14 anos. "Se for demolido, sou inquilina, não tenho direito algum. Vou começar tudo de novo aos 68, sem nem saber onde", lamenta.
A euforia dos resultados do leilão não chegou à comunidade, mas sacudiu o mercado na sexta-feira. O lance vencedor foi 30% maior que o do segundo colocado. Prevaleceu a força econômica do grupo Odebrecht, associado à operadora do melhor aeroporto do mundo, em Cingapura.
O apetite demonstra que as apostas de retorno são altas e movidas pela possibilidade de expansão do terminal. "O Galeão está num espaço extremamente privilegiado, tem condições enormes de crescer", disse o presidente da Odebrecht Transport, Paulo Cesena.
Ele projeta um fluxo de 20 milhões de passageiros a mais que o estimado pela Anac. "As questões socioambientais não são imediatas", disse Casena, garantindo "transparência" e "diálogo" com os moradores.
A avaliação de riscos "imensuráveis" levou um consórcio a desistir do leilão na segunda-feira. Pelas regras do contrato, os riscos para novas obras são da operadora. "Há risco de uma contestação, e é difícil imaginar quem vai querer assumir esse ônus", relata o consultor em infraestrutura e professor de Direito da FGV, Álvaro Jorge.
Em sua maioria, os moradores da região são pescadores. "A gente não despreza a força do capital, mas a empresa terá de justificar a necessidade da pista. Está previsto no contrato e, se ela não cumprir, vamos ao Judiciário", afirma José Cantizano, integrante da comissão que questiona o projeto.
Segundo a Anac, a nova pista é fundamental para atender o crescimento da demanda. As projeções indicam que o fluxo de voos saltará de 154 mil anuais para 262,9 mil a partir de 2021. A movimentação, motor da geração de receitas, é também o gatilho que determina quando a pista deve ser construída.
A ampliação é uma das obras obrigatórias previstas no edital. Também estão previstas intervenções nos terminais de passageiros, que há quatro anos passa por reformas realizadas pela Infraero. Quem circula pelo terminal 1, entretanto, tem a impressão de que as obras foram abandonadas, mesmo tendo consumido mais de R$ 440 milhões.
Segundo a Infraero, o prazo para conclusão é abril, para atender o público da Copa, que começa em junho. Até lá, Infraero e concessionária vão rediscutir os projetos em curso e inacabados e compartilhar a gestão. A transição será o primeiro teste da operadora na relação com um parceiro público. Além dela, o novo concessionário terá de lidar diariamente com Polícia Federal, Receita Federal e Anvisa.
Hoje, a percepção dos passageiros é de descaso. As escadas rolantes e elevadores estão parados há mais de um mês. Quando chove há infiltrações no saguão e quando faz calor os usuários se queixam do ar-condicionado. Limpeza de banheiros e falta de vagas no estacionamento também são questionados. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.