Em operação em Londrina desde a sexta-feira retrasada (19), o aplicativo Uber começa a ter as primeiras baixas entre seus parceiros: mais de 20 motoristas assinaram um documento pedindo revisão das tarifas básicas do serviço de carona compartilhada e vários deles já pararam de rodar ou diminuíram as horas de disponibilidade. O abaixo-assinado foi entregue a representantes da empresa na última sexta (26) e até esta terça (30) os parceiros - como são chamados, pelo Uber, os motoristas - insatisfeitos ainda não haviam recebido uma resposta oficial. A reportagem do Portal Bonde conversou, com exclusividade, com quatro deles. Como todos pediram anonimato, foram utilizados nomes fictícios.
Eles são unânimes ao apontar as principais falhas do app em Londrina: baixa remuneração, objetivos (que geram bônus financeiro) inatingíveis ou obscuros, e falta de resposta para as reclamações. Sobre este último ponto, dois dos nossos entrevistados disseram ter recebido respostas genéricas, geradas automaticamente, para questionamentos enviados por email.
A maior queixa é mesmo o baixo retorno por corrida. Desde o início da operação do Uber na cidade, os trajetos são calculados a partir das seguintes tarifas: R$ 2,50 de partida (espécie de bandeirada), R$ 1,00 por quilômetro rodado e R$ 0,20 por minuto de permanência do passageiro. O valor mínimo por corrida é R$ 5,00. Invariavelmente, o Uber fica com 25% do total.
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Eles apontam como problema central para o cálculo o fato de as corridas, em Londrina, serem constantemente curtas. Para todos os ouvidos pelo Portal Bonde, muitas vezes o trajeto feito com o passageiro a bordo não compensa o deslocamento para atendê-lo.
"Outro dia fui até a [avenida] Ayrton Senna, perto do Igapó, para buscar um cliente. Ele só queria subir até a Madre Leônia. Recebi a tarifa mínima, R$ 5,00, que com o desconto do Uber vira R$ 3,75. Pra chegar até ele, rodei quase 10 quilômetros, praticamente um litro de gasolina. Não compensou. Em Londrina, os trajetos são quase sempre curtos. Até hoje, só venho fazendo corridas que dão, limpo, entre R$ 3,75 e R$ 12,00. Não fiz nenhuma acima disso", afirma João*.
Ele era motorista profissional e está desempregado desde fevereiro. Atualmente, faz bicos em empresa da cidade e também roda, em média, sete horas por dia com o Uber. "Na semana passada, para você ter uma ideia, fiz menos de R$ 130,00 por dia. No sábado (27), menos de R$ 160,00. Valores brutos. Não compensa. Eu aprendi na vida que a coisa mais importante que existe é o tempo. Isso daí não paga nem a gasolina, pneu e manutenção. Sobra muito pouco pelo meu trabalho", diz. Apesar disso, ele segue disponível no aplicativo por estar desempregado.
Lucas* é um dos que já pararam de trabalhar com o aplicativo. Ele iniciou no primeiro dia de operação e fez sua última corrida na sexta passada (26). Em uma semana, rodou mais de 40 horas e ganhou R$ 550,00. Com o desconto da fatia do Uber e do combustível, resolveu parar. "Hoje, em Londrina, é mais barato andar de Uber que de mototáxi. Fica evidente que as tarifas atuais são muito inviáveis. Se os valores forem reajustados, até penso em voltar. Mas teria que melhorar significativamente. Não sei o que os clientes achariam [do eventual aumento], mas atualmente não compensa. Muita gente está parando", alerta.
No texto entregue aos representantes da empresa na semana passada, os motoristas argumentam que o Uber erra ao aplicar cálculos utilizados nas capitais brasileiras - além de Londrina, a única exceção no interior do País é Campinas (SP). "Considerando que Londrina é a primeira cidade com menos de 600 mil habitantes que o Uber opera no mundo, é imprescindível uma adequação das tarifas praticadas aqui", pedem.
Além de solicitarem uma revisão dos valores, os colaboradores insatisfeitos usaram taxas de outras cidades para elaborar uma nova tabela. Em um dos cenários propostos, seria usada a tarifa inicial de Curitiba e Porto Alegre (R$ 3,00), o preço por km rodado de Belo Horizonte (R$ 1,48) e o valor por minuto de São Paulo (R$ 0,26). Além disso, o preço mínimo subiria de R$ 5,00 para R$ 8,00.
"As nossas tarifas são, hoje, as mais baixas do Brasil, mas Londrina é uma cidade pequena se comparada às outras, que são capitais. Assim, as corridas são mais curtas e acabam não compensando com essa atual tabela de valores. Não é interessante para o Uber acabar com o serviço em Londrina, tanto para eles quanto para nós, que trabalhamos, e para os consumidores, que estão tendo uma opção mais barata de transporte", argumenta Manoel*.
Até as cortesias - balas e água - entram na conta dos parceiros do app. "No primeiro dia, fui comprar 10 copinhos d'água para servir aos clientes. Paguei R$ 6,90. No dia seguinte já percebi que não vale a pena. Já cortei. Agora só rodo com bala. A tarifa mínima é muito baixa, se o cliente tomar uma água, corta ainda mais a nossa margem", calcula João.
Incentivos
De tempos em tempos, o Uber manda mensagens para seus parceiros com objetivos diários ou semanais. Se cumpridos, eles garantem um pagamento adicional. Os quatro motoristas ouvidos pelo Bonde reclamam das metas estipuladas pelo aplicativo - segundo eles, muitas vezes inatingíveis - e da falta de clareza sobre os critérios para receber o bônus.
Em geral, são três pontos que devem ser cumpridos pelos motoristas: circular determinadas horas por dia, atender mais de 70% das chamadas e manter sua reputação acima de 4,8 - calculada a partir da média das avaliações dos clientes, a nota vai até 5.
André* conseguiu receber um destes incentivos no primeiro dia que circulou pela cidade, mas depois ficou desanimado ao saber que a maior parte dos motoristas não havia sido contemplada. Atualmente, ele faz poucas corridas, geralmente aproveitando um trajeto que já faria naturalmente.
"Na sexta em que o Uber começou a funcionar em Londrina, rodei por oito horas e consegui, porque não recusei nenhuma corrida, mesmo que tivesse que cruzar a cidade inteira, receber o incentivo. Sem ele, eu receberia R$ 140,00, ainda tendo que descontar o valor do meio-tanque que eu abasteci, ou seja, mais ou menos R$ 60,00. Sobraria entre R$ 80,00 e R$ 90,00 por oito horas de trabalho, sem descontar manutenção, pneus e etc. Foram 21 ou 22 corridas. Por esse valor, eu não trabalho. É melhor fazer outra coisa. Depois, na segunda, eu soube que receberia R$ 247,00 graças aos objetivos que eu cumpri. Aí sobrariam, limpos, R$ 180,00. Com esse valor vale a pena, mas vários motoristas não conseguem receber os incentivos. Quando eu soube disso, desanimei. Agora eu só ligo o Uber quando estou indo ou voltando do meu trabalho fixo. Aproveito e faço duas ou três viagens em cada trajeto e depois desligo o aplicativo. Me ajuda a pagar a gasolina e só. Com as tarifas atuais, é muito difícil. Só serve mesmo para quem não tem outra opção ou está desempregado", explica. João, Manoel e Lucas também questionaram os critérios.
"Como eles estão com poucos carros na cidade, estão dando incentivos. No entanto, a reclamação de todos é que os critérios não são sempre claros, poucos conseguem receber estes bônus", conclui André.
Menos carros
Na esteira das insatisfações, muitos motoristas já teriam parado de circular pela cidade. Todos os ouvidos pelo Bonde foram unânimes ao dizer que a quantidade de parceiros rodando já caiu mais de 50%.
"Hoje à tarde [terça (30)], muitos decidiram ficar em casa como uma forma de protesto para chamar a atenção da empresa. Na primeira semana, era comum vermos, à tarde, sempre de 10 a 15 motoristas rodando e disponíveis. Atualmente, diminuiu bastante, são sempre uns três ou quatro. Talvez cinco ou seis nos horários de pico. Como estamos em cada vez menos carros nas ruas, a procura tem até aumentado, mas ainda assim é difícil", lamenta João.
Por volta das 16h desta terça, a reportagem entrou no aplicativo e verificou que havia seis carros disponíveis, a maior parte deles no centro de Londrina.
Comparação com os táxis
Ainda de acordo com os motoristas, um dado trajeto é de 50% a 60%, em média, mais barato de Uber que de táxi. Até mesmo os preços de mototáxi seriam maiores em algumas ocasiões.
"Em média, a corrida do Uber em qualquer cidade é aproximadamente 30% mais barata que uma de táxi. Em Londrina, esta proporção está entre 60% e 70%. Está muito barato. É bom para os clientes, mas a gente não está conseguindo trabalhar", afirma Manoel.
André também concorda com a grande desproporção entre os valores. "Os taxistas ganham mais, mas isso a gente já sabia desde o começo, não é essa a reclamação. Outro dia conversei com um taxista que trabalha há muitos anos em Londrina e ele me disse que o cálculo é o seguinte: 50% do que entrar é para manutenção do carro e a outra metade é para você. Essa conta, no Uber, não fecha. Como tem os 25% deles, ficaríamos apenas com um quarto, que é muito pouco", calcula.
Apesar de se dizer desanimado com o aplicativo, André não descarta voltar. "Se houver uma boa revisão dos valores, eu penso sim em voltar. Vivemos uma crise, estou com dois carros em casa, um pouco a mais que eu receba no mês ajuda a quitar uma prestação ou outra. Hoje, o Uber só está bom para o usuário. E é bom também para o trânsito da cidade, já que você tira vários veículos de circulação."
Posição do Uber
Em nota, o Uber afirmou que não informa a quantidade de parceiros que tem em cada cidade e tampouco se houve uma redução no número de motoristas rodando em Londrina. A empresa também ressaltou que os cálculos são feitos levando em conta o equilíbrio entre preço, demanda e número de carros.
"Com base em dados das mais de 400 cidades nas quais atuamos, verificamos que preços mais acessíveis geram como resultado o aumento da demanda por carros. Com isso, os motoristas parceiros fazem mais viagens por hora e ficam menos tempo rodando entre uma viagem e outra. Vimos efeitos como este em diversas cidades nas quais atuamos, onde preços acessíveis resultaram em um aumento de número de viagens e dos ganhos do motoristas parceiros", diz o texto.
O Uber também cita dados coletados durante três ano em Nova York para explicar sua política de tarifas. Clique aqui para conferir (em inglês).
*Todos os nomes desta matéria são fictícios para preservar os entrevistados.