Após o reajuste de 12,5% no valor médio do Programa Bolsa Família (BSF), anunciado pelo Governo Federal no dia 29 de junho, os favorecidos já puderam sacar o benefício maior no último mês. As transferências foram liberadas para cerca de 13,9 milhões de famílias em todo o país, sendo 16,1 mil em Londrina. No município, a média de repasses foi de R$ 181,91 por família. A maior parcela em julho na cidade foi de R$ 767,00 - para Vitor Almeida.
A família Almeida, que recebia R$ 695,00 antes da alteração, é uma das 335 indígenas beneficiárias pelo BSF em Londrina – segundo dados de maio de 2016 do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). Vitor vive na reserva Apucaraninha com a esposa e sete filhos, quatro menores de 15 e um menor de 17.
Como declarou renda zero, Almeida é classificado em situação de extrema pobreza, ou seja, possui renda mensal per capta menor que R$ 85,00. Essa é a faixa na qual se encontram 13,5 mil famílias londrinenses favorecidas pelo programa em julho. Os outros 2,6 mil titulares são classificados em situação de pobreza por terem renda de até R$ 170,00 por familiar.
Com o reajuste, o menor benefício do BSF passou a ser de R$ 39,00. No caso da família Almeida, a mensalidade se deve a concessão de todos os tipos de benefícios:
Averiguação
A beneficiária Antônia* é a titular que recebia o segundo maior valor pelo Bolsa Família em Londrina até maio deste ano, R$ 694,00 no total. Ela perdeu parte do benefício depois que a Averiguação Cadastral 2016 do BSF constatou alterações de renda e/ou de composição familiar. O repasse de julho, já com o reajuste, foi de R$ 345,00.
O processo de Averiguação Cadastral, feito anualmente, começou dia 29 de abril este ano e segue até 2017. Para a 'peneirada' foram cruzados dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de 2015 e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2014. Também foram incluídas no processo as famílias identificadas em averiguações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria Geral da União (CGU).
O objetivo é identificar divergências entre a renda informada e a renda constante em outros registros e ainda os óbitos de pessoas que continuam cadastradas. A Instrução Operacional nº 79/Senac/MDS estabelece as datas-limite para que as famílias atualizem os cadastros com as informações corretas e para que evitem o cancelamento do benefício.
Antônia recebeu uma carta em maio informando sobre a irregularidade e já fez o recadastramento. Ela, que tem curso de Técnica em Enfermagem, mas trabalha com vendas em período integral, é a única da família que recebe salário fixo. Na casa, mora com o ex-marido, quatro filhos e um neto. O ex-companheiro faz bicos e o filho mais velho saiu do último emprego depois de uma crise de pânico. Os três filhos maiores de 16 anos, tomam remédios controlados para depressão, dislexia e/ou síndrome do pânico.
Como os medicamentos receitados não são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a família está com as contas apertadas. "O dinheiro está fazendo falta porque só em remédio gastamos uns R$ 250,00 a cada dois meses. Então um mês a gente compra remédio e deixa uma conta da luz sem pagar, no outro a gente paga a conta", desabafa Antônia.
De acordo com Antônia, a expectativa é de a situação melhore quando os filhos conseguirem empregos. "Eles estão todos moços, assim que começarem a trabalhar vai ficar melhor. Mas o mais velho não pode ficar em lugar fechado e as gêmeas estão com dificuldade porque não têm curso e experiência. Estão contratando só quem tem curso, mas os cursos são pagos", diz a beneficiária, que recebe o BSF a cerca de quatro anos.
Cadastro
Segundo a gestora do Bolsa Família em Londrina, Cláudia Renata Favaro, a Averiguação deste ano apontou 11 mil cadastros irregulares em Londrina. Para ela, a autodeclaração é um problema do programa. "O município pode pedir toda a documentação na hora do cadastro, como, por exemplo, a carteira de trabalho, mas não é obrigatório. Porém, se não solicitássemos, teríamos uma lista maior de averiguação e um retrabalho. Pedindo já temos 11 mil famílias em averiguação, imagine se não fizéssemos isso", diz Favaro.
Como os dados do CadÚnico são autodeclaratórios, para se cadastrar é necessário apenas o RG e o CPF/título de eleitor do beneficiário titular e qualquer documento dos dependentes. "É lido um informativo para que a pessoa se responsabilize pelos dados que está fornecendo, porque o cadastro é feito com base no que a ela diz. Isso é um problema, as pessoas omitem e por isso há tanta averiguação", declara a gestora do BSF.
Acompanhamento
Durante o processo de recadastramento, a família de Antônia também foi alertada sobre as cinco faltas seguidas que uma das filhas teve na escola. "Ela teve uma crise de depressão e faltou uma semana seguida", explica. O risco é de que a reincidência de faltas gere o bloqueio do repasse.
Para receber as mensalidades, além da inclusão da família no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal, os beneficiários devem cumprir a frequência escolar de 85% (crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos) e de 75% (adolescentes entre 16 e 17 anos). Há também os requisitos de saúde, que exigem atualização do calendário de vacinas das crianças, realização do pré-natal por parte das gestantes, participação das nutrizes em cursos oferecidos pelo Ministério da Saúde (MS) e ainda acompanhamento de mulheres entre 14 e 44 anos.
O descumprimento desses compromissos resulta, consecutivamente, em advertência, bloqueio do benefício por 30 dias (parcela pode ser sacada no mês seguinte), duas suspensões de 60 dias (sem recuperação da parcela) e cancelamento. O intervalo é de seis meses para progressão de uma penalidade para outra.
A frequência escolar e os atendimentos de saúde são relacionados e encaminhados ao MDSA pelas escolas e equipes de saúde, o Ministério filtra essas informações e devolve aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e às equipes e/ou Unidades Básicas de Sáude (UBS) para acompanhamento e reversão do quadro da família. Em Londrina, a maior parte dos bloqueios de benefício são decorrentes de irregularidades na área da educação.
"Aqueles que não cumpriram a frequência escolar, vêm em uma lista para o município a cada dois meses. Na última havia aproximadamente 1,2 mil crianças e adolescentes. A lista é enviada para o Cras e lá eles buscam essas famílias para compreenderem a situação e orientarem. Os resultados são lançados no sistema", explica Favaro. Já os registros de saúde são enviados semestralmente.
De acordo com o gestora, são poucos os casos que chegam ao cancelamento. "O acompanhamento pode cancelar a suspensão, mas, mesmo que isso não aconteça, a gente não cancela o benefício, pois entende que estas famílias estão bem mais vulneráveis que as outras por não terem acesso às políticas públicas, então não vamos penalizá-las. Esta família cai depois na revisão cadastral".
Revisão
Caso não haja nenhuma inconsistência, as famílias cadastradas no CadÚnico têm até dois anos para atualizarem seus dados, a partir da data de inclusão no sistema. Sem essa atualização, o titular aparece na revisão cadastral, realizada anualmente junto com a averiguação.
O CadÚnico é feito em um dos 10 Cras de Londrina e serve para candidatos a diversos outros programas e benefícios, como o Minha Casa, Minha Vida, Brasil Carinhoso e Isenção de Taxas em Concursos Públicos. Para se cadastrar, a família deve ter renda de até meio salário mínimo por pessoa ou até três salários mínimos de renda mensal total. Em julho, o município tinha 46 mil famílias cadastradas na base CadÚnico.
Vale salientar que, após o cadastro, as famílias do BSF são selecionadas pelo MDSA de acordo com a renda, o número de pessoas e a disponibilidade orçamentária do programa. "A gente percebe que têm famílias que estão dentro do critério e demoram para ser inseridas. Eles vão sendo incluídas mês a mês", esclarece a gestora do Bolsa Família. Na última folha de pagamento, 77 famílias foram inseridas em Londrina.
Opiniões
Para o porta-voz do movimento Viva Londrina, André Elias, falta fiscalização no programa. "Fizemos um trabalho com o movimento e encontramos famílias em situação de pobreza que não recebiam o Bolsa Família, porque não tinham um endereço fixo. E encontramos pessoas que não precisariam e estavam com três ou quatro benefícios", argumenta Elias. A gestora do BSF informou que atualmente o município tem 148 beneficiários não localizados, mas já chegou a ter três mil.
A principal crítica do porta-voz, porém, é o uso do BSF como campanha política. "A primeira mudança no programa devia ser sua transformação em lei, porque se fosse com boa intenção ele seria um projeto de lei e não um projeto partidário como tem sido", defende.
Já para o empresário Mário David de Lima, que vive em São Paulo, mas passa os finais de semana em Londrina, faltam responsabilidades para os favorecidos. "Sou a favor do Bolsa Família, mas com ajustes, o programa devia ter contrapartida, como prestação de serviço ou estudo por parte de quem recebe, e tempo limitado. Quando viajava para o Nordeste, eu via muitas pessoas que recebiam o benefício e, quando queríamos contratar, recusavam o registro em carteira para não perder as parcelas. Por isso o beneficiário precisa de um prazo, para não ficar viciado", opina.
Entre as ações complementares Bolsa Família, Favaro destaca a prioridade de inclusão das famílias beneficiárias do BSF em programas como o Mais Educação, que amplia a jornada escolar, e na educação infantil. Ela reconhece, porém, a necessidade de aprimoramento do programa. "Temos muito a fazer ainda. É um processo que vai gerar retorno em médio e longo prazo. Temos conhecimento que são necessárias mais ações complementares. É pegar o que já tem e potencializar", completa.
No primeiro ano do programa, em 2004, Londrina tinha 7,6 mil famílias beneficiárias. Em 2010, o número já havia subido para 13,5.
*Nome fictício para preservar a fonte, que preferiu não se identificar.