Apenas uma proposta de acordo surpreendente, envolvendo o descarte da marca Sadia ou Perdigão, poderá demover o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de reprovar por unanimidade a fusão que resultou na Brasil Foods. Essa é a avaliação de advogados especialistas em defesa da concorrência consultados pelo "Estado" e o que se percebe dentro do próprio Cade.
Os recados foram dados na primeira parte do julgamento, na quarta-feira. O conselheiro Ricardo Ruiz, que pediu uma semana de prazo para fazer uma avaliação mais detalhada do processo, deixou claro que tende a seguir o voto do relator, Carlos Ragazzo. Mudanças de opinião não podem ser descartadas. Mas dado o tom dos envolvidos, é preciso um fato forte para inverter a direção dada pelo relator.
Durante a leitura do voto, Ragazzo rebateu ponto por ponto os argumentos da empresa. Disse que a união acabará com a rivalidade no setor, que as companhias poderiam ampliar sua atuação no mercado externo individualmente e mostrou preocupação com a possibilidade de aumento de preços.
Mais do que isso, desmontou a proposta de acordo das empresas, que se dispuseram apenas a se desfazer de suas marcas de menor valor, conhecidas como "marcas de combate".
Pressão
A avaliação de quem acompanha o caso é que o voto de Ragazzo pode ter sido uma forma de pressionar a companhia a apresentar uma proposta que vá mais ao encontro dos desejos do Cade. Após a primeira parte do julgamento, o porta-voz da BRF, Wilson Mello Neto, se apressou em dizer que a companhia continuará a trabalhar numa solução negociada, até porque quatro conselheiros ainda precisam se pronunciar.
Em seguida, nota da empresa disse discordar da avaliação do relator. Esse posicionamento da BRF foi interpretado como estratégia para evitar que as ações da companhia caíssem ainda mais.
Enquanto uma proposta de acordo palpável não for anunciada, a perspectiva, dizem os especialistas, é que a operação esteja com os dias contados.
Dado o tom duro do relator, a antecipação de Ruiz que deverá acompanhar Ragazzo e os elogios dos demais conselheiros ao teor do voto, os advogados não imaginam outro desfecho.
Alguns chegaram a relatar que a ideia de se fazer um bolão entre os defensores com apostas sobre o placar acabou sendo deixada da lado, pois todos passaram a contar com uma decisão unânime. Como são cinco conselheiros aptos a votar, os palpites estavam concentrados no 5 a 0.
Dúvida
A maior incógnita da votação recai sobre o conselheiro Marcos Veríssimo, que entrou no Cade há um mês e não possui um histórico conhecido.
Apesar de não ser o único nessa situação - Alessandro Octaviani, que também aprecia o caso, ingressou no Cade no fim de abril -, Veríssimo é o que suscita dúvidas porque foi chefe de gabinete da presidência do BNDES, banco que tem atuado a favor da formação de grandes multinacionais brasileiras. Como lembrou um advogado, porém, ele também parabenizou Ragazzo e não deve querer ficar isolado em um caso de tanta repercussão.