Depois de um ano de guerra tarifária que derrubou os preços das passagens aéreas, as companhias se preparam para iniciar 2012 com bilhetes mais caros, para compensar as altas de custos enfrentadas pelo setor. Mas o movimento, deflagrado pelas maiores companhias, será feito com cautela para evitar que parte da nova classe média suma dos aviões. Atraída pelos preços, essa população inaugurou um novo nicho para o setor.
Os aumentos das tarifas devem se concentrar em horários de pico e nas compras realizadas às vésperas dos voos. Com isso, o peso do aumento deve recair mais sobre o passageiro que voa a negócios. Esse público costuma viajar durante a semana, nas primeiras horas da manhã e no fim da tarde, e dificilmente consegue planejar uma viagem muito tempo antes de embarcar.
Isso não significa, porém, que os viajantes a turismo não terão de começar a planejar a viagem um pouco antes do que estão acostumados. "Vamos continuar oferecendo tarifas competitivas em comparação com os ônibus para quem compra com 60 dias de antecedência, 30 dias ou 21 dias", afirma Constantino de Oliveira Júnior, presidente da Gol, empresa vice-líder no mercado doméstico.
Embora não revele quais serão os patamares de reajuste, o executivo diz que a empresa continuará, em 2012, o movimento de recuperação dos yields (preço médio que o passageiro paga por quilômetro voado), iniciado neste segundo semestre.
TAM e Azul, que estão em primeiro e terceiro lugares na lista das que mais transportam passageiros no Brasil, também preveem tarifas mais elevadas, mas ressaltam que o aumento deve recair mais sobre a compra de última hora. "As tarifas dos bilhetes adquiridos mais perto dos voos talvez aumentem, porque o combustível subiu", diz David Neeleman, fundador da Azul.
Novos hábitos
Para as empresas, mesmo que a nova classe média tenha de pagar uma parte da conta dos aumentos das tarifas, essa parcela da população não deve desembarcar dos aviões em 2012. Os executivos acreditam que o País está passando por uma mudança de hábito e que quem trocou as rodoviárias pelos aeroportos dificilmente voltará a enfrentar horas de estrada para cruzar o País.
"Nós temos a certeza de que o cliente que substitui o ônibus nunca mais volta", avalia o presidente da TAM, Líbano Barroso. "Há uma mudança de hábito. Não é apenas crença nossa; é história. Aconteceu nos Estados Unidos no fim da década de 50, na Europa na década de 60, no Japão na década de 70."
Em uma agência de viagens na favela da Rocinha, no Rio, a empregada doméstica Maria José Oliveira, de 40 anos, foi uma das que comprou recentemente sua primeira passagem aérea. Em dezembro, viaja pela primeira vez para o Ceará desde que se mudou para o Rio, há cerca de 20 anos. O pagamento foi feito à vista para aproveitar a promoção, que derrubou o preço do bilhete de R$ 1.144 para R$ 590, ida e volta.
A programação da viagem começou há cerca de três meses, quando a cunhada, Maria Luciene Ferreira, de 34 anos, começou a passar diariamente na agência em busca de preços mais baixos. Elas pretendem repetir o roteiro no ano que vem e querem começar o planejamento já no início de 2012, para garantir preços baixos. "De ônibus, perdemos muito tempo. São três dias, enquanto de avião são três horas", diz Maria José, justificando o esforço para comprar a passagem.
Se, por um lado, é pouco provável a volta desse consumidor ao ônibus nas viagens mais longas, nos trajetos mais curtos, como entre o Rio e São Paulo, é possível que parte dos passageiros faça as contas e acabe optando pelo transporte rodoviário. "O passageiro que faz uma viagem de maior distância toma gosto pelo avião, porque chega descansado e fica mais com a família. Esse aprendizado de como é agradável leva as pessoas a comprar com mais antecedência. Mas, numa viagem mais curta, de cinco ou seis horas, as pessoas vão avaliar se realmente vale a pena voar e podem acabar optando pelo carro ou pelo ônibus leito", diz o consultor Allemander Pereira, especializado no setor aéreo.
Menos cauteloso que o presidente da Gol, o vice-presidente financeiro da empresa, Leonardo Pereira, admitiu ontem que, num primeiro momento, a elevação dos preços das passagens deve afetar a taxa de ocupação dos voos. O executivo acredita, no entanto, que, com o tempo, os consumidores se adaptarão aos novos patamares de preço.
"É natural que a taxa de ocupação caia num processo de alta de tarifas, ainda mais considerando um momento de recuo na atividade econômica", disse ele, durante reunião da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), em São Paulo.