Cerca de 300 mil brasileiros convivem com dívidas impagáveis causadas pelo desequilíbrio de contratos de financiamentos para a compra da casa própria, assumidos no fim da década de 80 e início da década de 90.
Muitos desses mutuários se contentaram com descontos, oferecidos principalmente pela Empresa Gestora de Ativos (a Emgea, ligada ao Ministério da Fazenda) para negociação da dívida. Outros discutem na Justiça o saldo devedor que é superior ao valor do imóvel.
É o caso do servidor público Landoaldo Dantas de Oliveira, de 60 anos, e do aposentado Gil Ferreira de Almeida, de 67 anos. Eles fizeram financiamento imobiliário na década de 80, pagaram as prestações em dia e, quando foram dar baixa na hipoteca, não conseguiram por causa do elevado saldo devedor.
Isso aconteceu porque, pelas regras da época, os financiamentos feitos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) tinham as prestações corrigidas conforme a variação salarial e a dívida de acordo com a inflação. Até 1993, a maioria dos financiamentos tinha o saldo devedor coberto pelo FCVS. Mas o fundo cobre o resíduo de apenas um financiamento feito no âmbito do SFH. Dantas de Oliveira e Ferreira de Almeida tinham mais de um contrato.
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, a dor de cabeça do mutuário começou quando os bancos passaram a negar a cobertura do saldo residual pelo FCVS sob a alegação de que há ''multiplicidade de contratos cobertos pelo FCVS'' e, portanto, o saldo devedor seria de responsabilidade do mutuário.
Bancos devem oferecer descontos a mutuários
O governo federal vai criar incentivos para que bancos privados concedam descontos aos mutuários que financiaram a compra da casa própria até 5 de setembro de 2001.
Hoje, essas pessoas têm dívidas impagáveis devido ao descompasso entre a correção das prestações e do saldo devedor. A medida deve beneficiar cerca de 30 mil famílias, que fecharam contratos, sem cobertura do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), no fim da década de 80 e início da de 90.
A possibilidade de as instituições financeiras privadas refinanciarem a dívida de seus mutuários inadimplentes em troca de uma compensação do governo federal foi garantida pela Lei 11.992, de maio de 2009. Desde então, a regulamentação da lei está nas mãos dos técnicos do Banco Central. A expectativa é que em breve as regras estejam prontas para que sejam colocadas para apreciação da diretoria colegiada da autoridade monetária e, posteriormente, do Conselho Monetário Nacional (CMN).
O desequilíbrio desses contratos imobiliários é um fantasma antigo de que o governo não conseguiu se livrar. Ele decorre, principalmente, do período de hiperinflação, em que a legislação brasileira permitia que, nos financiamentos feitos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), as prestações fossem corrigidas pela variação salarial e as dívidas, de acordo com a inflação. Ou seja, o valor das parcelas pagas mensalmente era insuficiente para amortizar a dívida e evitar a disparada do saldo devedor.
Esse descasamento provocou uma bola de neve tanto para os mutuários, que até hoje não conseguiram quitar os contratos, quanto para o governo, que desembolsa bilhões para cobrir incentivos concedidos à época para viabilizar o pagamento dos financiamentos. No caso dos contratos que tinham cobertura do FCVS, o governo federal assumiu o resíduo no final do período de financiamento. Os cofres públicos também pagaram o ônus das operações sem cobertura do FCVS feitos na Caixa Econômica Federal.
O problema é que os contratos feitos em bancos privados não tiveram o mesmo tratamento. Segundo fonte ligada às instituições financeiras, mesmo que quisessem, os bancos privados não podiam oferecer descontos. Isso porque teriam de pagar imposto sob o desconto concedido. A avaliação é de que houve um problema na economia como um todo e, portanto, todos os mutuários - sejam da Caixa ou não - precisam de incentivos para renegociar suas dívidas.
Por enquanto, o governo federal desembolsou R$ 67 bilhões para cobrir o rombo no FCVS causado com pagamento de saldo devedor ao final do financiamento imobiliário, seguro e ações judiciais. Para desespero do Executivo, ainda resta uma dívida de R$ 81 bilhões.